Violência doméstica, abuso de álcool e substâncias psicoativas
10/06/2025

Por Raique Almeida
O artigo apresenta uma revisão crítica que destaca a elevada prevalência da violência no âmbito familiar associada ao consumo de álcool e drogas em pacientes da atenção primária. Embora essa coexistência esteja ligada a graves consequências físicas e psicológicas para adultos, crianças e idosos, é frequentemente subdiagnosticada, o que compromete a atuação clínica eficaz.
As autoras apontam que o uso de substâncias psicoativas pelo agressor e, muitas vezes, também pela vítima está presente em até 92?% dos episódios de violência doméstica. O álcool, por sua capacidade de desinibir condutas agressivas, e drogas estimulantes como cocaína e crack são frequentemente implicados no desencadeamento da violência. Estudos citados revelam que homens com consumo problemático de álcool apresentam taxas significativamente maiores de violência contra parceiras, e mulheres vítimas tendem a usar álcool e drogas como forma de automatização da dor e do trauma, com risco aumentado de revitimização.
A violência doméstica afeta também populações vulneráveis, como gestantes de baixa renda, levando ao uso perinatal de substâncias, maior incidência de parto prematuro, atenção pré-natal deficiente, baixo peso ao nascer e maior demanda por serviços de saúde. Além disso, há forte correlação entre abusos físicos e sexuais ocorridos na infância e o desenvolvimento posterior de dependência química em mulheres, frequentemente mediada por comorbidades psiquiátricas como transtorno de estresse pós?traumático, ansiedade e depressão. E, em famílias onde os pais usam substâncias, cresce a incidência de negligência e maus?tratos infantis, estabelecendo ciclos intergeracionais de violência e abuso.
Ainda que o reconhecimento desses problemas seja essencial no contexto clínico, Zilberman e Blume observam que o rastreamento é muitas vezes relegado. Profissionais relutam em questionar sobre violência doméstica e uso de drogas devido à vergonha, culpa ou desconhecimento, e somente cerca de 3% dos ginecologistas e obstetras abordam essas questões com as pacientes. Tal omissão prejudica o diagnóstico e o tratamento adequado de ambos os fenômenos, o que pode comprometer significativamente a qualidade do cuidado.
Por isso, reforça-se a necessidade de ações integradas a triagem de rotina deve contemplar simultaneamente violência e uso de substâncias. Intervenções devem garantir a segurança da vítima com orientação referente a delegacias e abrigos e considerar abordagens terapêuticas para ambos os problemas, tais como terapia de casal, grupos de apoio e encaminhamentos para serviços especializados. Embora tratamentos voltados apenas ao abuso de substâncias reduzam episódios de violência em parte dos casos, não há garantia de eliminação completa da agressão. Dessa forma, sustenta-se a importância de estratégias conjuntas, continuadas e cuidadosas, evitando confrontos diretos ao agressor e privilegiando o suporte à vítima.
Concluindo, as autoras salientam que o vínculo entre violência doméstica e uso de substâncias demanda atenção urgente no sistema de saúde. A detecção precoce e o manejo simultâneo desses problemas são fundamentais para interromper ciclos de agressão, proteger as gerações futuras e promover a saúde integral de famílias.
Referência:
ZILBERMAN, Monica L.; BLUME, Sheila B. Violência doméstica, abuso de álcool e substâncias psicoativas. Revista Brasileira de Psiquiatria, São Paulo, v.?27, supl.?2, p.?S51–S55, out.?2005.