O Amor na Vida do Dependente Químico: Capacidade de Sentir, Amar e Ser Amado
18/07/2025

Por Raique Almeida
O amor é uma dimensão fundamental da existência humana, capaz de transformar, sustentar e curar. No entanto, quando se trata de pessoas em situação de dependência química, esse sentimento muitas vezes é negligenciado ou negado socialmente, como se a condição do uso de substâncias invalidasse sua capacidade de sentir, amar ou ser amado. Essa percepção equivocada reforça o estigma que marginaliza o sujeito em sofrimento, negando-lhe não apenas a dignidade, mas também a humanidade. A dependência química é uma condição complexa, que envolve fatores biológicos, psicológicos, sociais e espirituais. Ainda assim, mesmo em meio à dor, à compulsão e ao isolamento, o amor continua sendo possível e necessário tanto como expressão quanto como experiência transformadora.
De acordo com Carl Rogers (1997), a aceitação incondicional é um dos pilares para a mudança genuína em qualquer processo terapêutico. Essa ideia sustenta que, quando o indivíduo se sente verdadeiramente acolhido, mesmo em seus aspectos mais sombrios, ele encontra espaço para se reconstruir. Nesse sentido, o amor recebido seja de familiares, companheiros(as), terapeutas ou da espiritualidade pode atuar como elemento restaurador da identidade e da autoestima do dependente químico. Amar um adicto não é romantizar sua dor, mas reconhecer que sua capacidade de afetar e ser afetado permanece viva, mesmo que adormecida pelas substâncias ou distorcida pelos traumas.
Além disso, é preciso reconhecer que o dependente químico também é capaz de amar. Muitas vezes, suas relações afetivas são marcadas por conflitos, rupturas e culpa. Contudo, isso não elimina a profundidade de seus sentimentos, que podem ser expressos em gestos, palavras, tentativas de reconciliação ou até mesmo no desejo de recuperação. O amor, nesse contexto, não é uma idealização, mas uma prática resiliente que resiste às adversidades. Segundo Leonardo Boff (2005), o amor é aquilo que nos torna responsáveis pelo outro, e é justamente essa responsabilização afetiva que pode surgir no percurso da recuperação, quando o sujeito se reencontra com sua capacidade de cuidar e ser cuidado.
No campo da clínica e da convivência, inúmeros relatos apontam que o amor pode ser a motivação central para que o adicto busque tratamento. O desejo de retomar laços familiares, de cuidar dos filhos, de reatar vínculos perdidos ou de construir novas relações saudáveis move muitos a enfrentarem o sofrimento e as recaídas. A espiritualidade também desempenha um papel importante, ao oferecer uma forma de amor transcendente que permite ao indivíduo reconstruir o sentido da vida. A fé, enquanto experiência afetiva, pode reconfigurar a narrativa interna do sujeito, retirando-o do ciclo de autodepreciação e desamparo.
Portanto, afirmar que o dependente químico pode amar e ser amado não é apenas um gesto de esperança, mas uma verdade ontológica e terapêutica. Esse reconhecimento é essencial para uma abordagem humanizada do tratamento, que vá além da abstinência e considere o sujeito em sua integralidade. Amar e ser amado, para o dependente químico, não é um privilégio, mas um direito e uma necessidade que, quando atendida, pode se tornar um potente instrumento de transformação pessoal e social.
Referências
BOFF, Leonardo. O essencial é invisível aos olhos: ética e espiritualidade. Petrópolis: Vozes,2005.
ROGERS, Carl. Tornar-se pessoa: um terapeuta descobre sua própria terapia. São Paulo: Martins Fontes, 1997.