Adolescentes em Clínicas de Recuperação: o que está por trás dessa realidade?
13/06/2025

Por Raique Almeida
Nos últimos anos, tem sido cada vez mais comum ver adolescentes sendo internados em clínicas de recuperação terapêutica no Brasil. Muitos desses jovens estão vivendo em situação de vulnerabilidade social, enfrentando problemas como pobreza, abandono familiar, violência e exclusão escolar. Diante desse cenário, o envolvimento com o uso de álcool e outras drogas se torna uma realidade preocupante. Mas será que essas clínicas são realmente o melhor caminho para cuidar desses adolescentes?
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é bem claro: a internação de menores de idade só pode acontecer em situações muito específicas, com autorização da Justiça, e sempre com o acompanhamento do Ministério Público e do Conselho Tutelar. Ou seja, não é qualquer situação que justifica esse tipo de medida, e ela deve ser sempre a última opção, depois de outras formas de cuidado terem sido tentadas.
Apesar disso, muitas clínicas de recuperação no Brasil estão recebendo adolescentes sem seguir essas exigências legais. Relatórios do Conselho Federal de Psicologia (2019) revelam que existem clínicas funcionando sem qualquer fiscalização, sem equipe técnica capacitada, sem alvará sanitário e, em muitos casos, praticando violações graves de direitos humanos. Há denúncias de maus-tratos, castigos, isolamento forçado e imposição de regras religiosas, o que fere diretamente a dignidade dos adolescentes ali internados.
Além disso, o tratamento oferecido por essas instituições nem sempre leva em consideração a história de vida desses jovens. Muitas adotam um modelo rígido de disciplina e abstinência, ignorando os fatores sociais que contribuíram para o uso de substâncias – como a ausência de oportunidades, a falta de acesso a uma educação de qualidade, situações de abuso e a exclusão social. Isso pode fazer com que o adolescente se sinta ainda mais rejeitado e culpado, ao invés de acolhido e compreendido.
Pesquisadores como Fiorucci e Vieira (2021) alertam que a falta de regulamentação dessas clínicas é um grande risco, pois elas acabam funcionando como espaços de confinamento, e não como locais de cuidado e reabilitação. Isso pode causar ainda mais traumas aos adolescentes, prejudicando seu desenvolvimento emocional e social.
Mas existem alternativas mais humanas, eficazes e respeitosas. Um bom exemplo são os CAPS Infantojuvenis (Centros de Atenção Psicossocial), que fazem parte da rede pública de saúde. Esses centros oferecem atendimento em liberdade, com equipes formadas por psicólogos, assistentes sociais, médicos e educadores. O foco está na escuta qualificada, no fortalecimento dos vínculos familiares, na construção da autoestima e na inclusão dos adolescentes na comunidade.
Outra abordagem importante é a da redução de danos, que busca diminuir os efeitos negativos do uso de substâncias sem julgar ou punir. Essa estratégia reconhece que cada pessoa tem sua trajetória, e que o cuidado precisa ser construído com respeito, diálogo e acolhimento.
A sociedade como um todo também precisa refletir sobre seu papel nesse processo. Muitas vezes, os adolescentes que chegam a essas clínicas já passaram por experiências de exclusão, racismo, violência doméstica e abandono institucional. Cuidar deles não é apenas tratar o uso de drogas, mas garantir direitos, oferecer oportunidades e investir em políticas públicas que promovam saúde, educação, cultura e lazer.
Garantir que esses jovens tenham acesso a tratamentos éticos, seguros e baseados nos direitos humanos é um compromisso de toda a sociedade. Não se trata apenas de “tirar das ruas”, mas de construir caminhos para que eles possam sonhar, crescer e viver com dignidade.
Fontes:
- BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8.069/1990
- CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Relatório da Inspeção Nacional em Comunidades Terapêuticas, 2019
- FIORUCCI, R.; VIEIRA, D. F. Menores em comunidades terapêuticas: entre o tratamento e a violação de direitos. Revista Psicologia e Sociedade, 2021
- PAULON, S. M.; SILVA, R. C. M. Redução de danos e adolescência: práticas de cuidado em saúde mental. Revista Brasileira de Crescimento e Desenvolvimento Humano, 2017