Adicção: A Prisão Invisível e o Caminho da Libertação
29/05/2025

Por Raique Almeida
Para que uma pessoa consiga sair de uma conduta adictiva, é necessário que haja uma decisão genuína de mudança. A iniciativa de iniciar um processo de recuperação precisa partir da própria vontade da pessoa, e não de pressões externas. Quando o desejo de mudança não é autêntico, ou quando o indivíduo inicia o processo apenas para agradar outros, as chances de recaída são significativamente maiores.
A primeira ação essencial consiste em escolher uma data próxima e concreta que marcará o início da abstinência. Essa data funcionará como um marco simbólico e emocional, tornando-se um ponto de referência que poderá ser celebrado a cada ano, funcionando como um "aniversário de sobriedade". Associar esse início com datas importantes, como o nascimento de uma filha ou o aniversário de um ente querido, fortalece o vínculo emocional com o compromisso de não consumir.
A segunda ação necessária é descartar todos os objetos, lembranças ou utensílios que estejam associados ao consumo. Isso inclui desde utensílios utilizados diretamente no ato de consumir até roupas, acessórios, quadros, objetos decorativos ou qualquer item que remeta à experiência da adicção. A eliminação desses elementos ajuda a romper com os gatilhos visuais e sensoriais que podem levar à recaída.
Além disso, é fundamental comunicar às pessoas mais próximas e de confiança sobre a decisão de iniciar o processo de abstinência. Essa rede de apoio contribui para que haja responsabilidade compartilhada, pois, pessoas queridas poderão acompanhar, apoiar e até cobrar coerência nas atitudes. A prestação de contas gera um senso de comprometimento, que pode ser decisivo nos momentos de fragilidade.
Reconhecer que a adicção é uma doença crônica e que não pode ser enfrentada sozinho representa um passo importante. Esse reconhecimento exige que o adicto enfrente o próprio narcisismo, aceitando sua vulnerabilidade e a necessidade de ajuda. A adicção, assim como o diabetes, é uma condição permanente. Mesmo que a substância não esteja sendo consumida, o cérebro continua vulnerável. O que se busca, portanto, é uma vida inteira em sobriedade e com autoconsciência.
A busca por acompanhamento profissional é indispensável. Profissionais especializados em adicções oferecem suporte técnico para identificar e evitar gatilhos, desenvolver inteligência emocional e estratégias de enfrentamento, e trabalhar questões profundas que muitas vezes estão por trás da conduta adictiva, como traumas, dificuldades de comunicação, repressão emocional, entre outros. A recaída não ocorre apenas pelo contato com a substância, mas principalmente pelas estruturas emocionais não tratadas que alimentam o padrão adictivo.
Além disso, é altamente recomendável que o adicto se conecte com outras pessoas que também estejam no processo de recuperação. Participar de grupos de apoio proporciona identificação, aprendizado coletivo e fortalecimento mútuo. Ver outros adictos conseguindo se manter em abstinência por meses ou anos gera esperança e motivação, além de oferecer uma rede de cuidado recíproco.
Por fim, é importante realizar verificações frequentes, como testes de drogas, para validar a evolução do processo e tranquilizar a rede de apoio. Essas verificações servem como uma forma concreta de demonstrar o comprometimento com a sobriedade. Compartilhar os resultados com familiares ou parceiros ajuda a restaurar a confiança e reafirma a seriedade do compromisso.
O lema “só por hoje” deve guiar diariamente o adicto em recuperação. Independentemente das adversidades enfrentadas sejam perdas familiares, rupturas afetivas ou crises pessoais, o compromisso de permanecer limpo deve ser renovado a cada dia. Essa prática fortalece a decisão de viver uma vida livre da escravidão do consumo e permite uma reconexão com a própria essência, que é a de ser um bom ser humano e apreciar as coisas simples da vida.
Referências:
GANDOLFI, R. A.; LOPES, M. J. M.; DELGADO, P. G. Drogas: abordagens, prevenção e tratamento. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2004.
KURLANSKY, D. A mente do adicto: um guia clínico para entender e tratar a dependência. São Paulo: Hogrefe, 2021.
CARVALHO, A. M.; DIMENSTEIN, M. O modelo de atenção psicossocial: desafios e possibilidades para a atenção aos usuários de drogas. Psicologia & Sociedade, Belo Horizonte, v. 19, n. 3, p. 94-101, set./dez. 2007.