Adicção como Doença: Uma Abordagem Neurobiológica, Clínica e Social
26/06/2025

Por Raique Almeida
Atualmente, a adicção é reconhecida como uma doença nos principais manuais diagnósticos internacionais, como o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) e o CID-11 (Classificação Internacional de Doenças). Trata-se de uma condição crônica, com alta propensão à recaída, que, quando não tratada adequadamente, pode causar comprometimentos progressivos e duradouros na saúde e na qualidade de vida do indivíduo.
O primeiro ponto que sustenta o entendimento da adicção como doença é sua base neurobiológica. O uso repetido de substâncias psicoativas provoca alterações significativas na estrutura e no funcionamento cerebral. O cérebro passa a depender de recompensas imediatas, principalmente mediadas pela dopamina neurotransmissor associado ao prazer. Esse processo ativa de forma intensa o circuito de recompensa, envolvendo áreas como a área tegmental ventral e o núcleo accumbens, enquanto inibe o funcionamento do córtex pré-frontal, responsável pelo autocontrole e pela tomada de decisões racionais. Simultaneamente, há uma hiperativação da amígdala cerebral, estrutura associada às emoções e impulsos, o que torna o comportamento mais impulsivo e emocional. O hipocampo, por sua vez, também é afetado, especialmente na consolidação da memória de longo prazo.
O segundo aspecto fundamental é que a adicção, assim como doenças crônicas como hipertensão e diabetes, não possui cura definitiva, mas pode ser controlada. A dependência física e psicológica implica uma condição permanente, em que o indivíduo se torna um adicto em recuperação. Há uma diferença importante entre uso, abuso e adicção, no caso do abuso, a reversão pode ocorrer porém, na adicção, o retorno ao consumo reativa todo o circuito de dependência, favorecendo recaídas.
O terceiro ponto que caracteriza a adicção como doença está na presença de sintomas observáveis, progressivos e debilitantes. Entre eles, destacam-se a perda de controle sobre o consumo, o desejo intenso pela substância, o uso contínuo apesar das consequências negativas o aumento da tolerância (necessidade de doses maiores para obter os mesmos efeitos) e os sintomas de abstinência (sofrimento físico e psíquico na ausência da substância). Em muitos casos, o consumo deixa de ter como objetivo o prazer e passa a ocorrer para evitar o desconforto da abstinência.
O quarto critério é o impacto funcional que a adicção causa na vida do indivíduo. O uso de substâncias compromete significativamente o desempenho social, ocupacional e familiar. Por exemplo, enquanto um fumante pode interromper constantemente suas atividades para fumar, adictos de substâncias mais potentes tendem a se isolar, se tornarem improdutivos e a apresentar grandes dificuldades em manter uma rotina saudável e estável.
Por fim, o tratamento da adicção exige uma abordagem integrada, que combine intervenções médicas e psicológicas. A força de vontade, isoladamente, não é suficiente para a recuperação. É necessário investigar as causas emocionais profundas do comportamento adictivo, promover a reeducação comportamental, desenvolver a inteligência emocional e, quando indicado, utilizar suporte farmacológico para restaurar o equilíbrio neuroquímico. O apoio familiar também desempenha papel fundamental nesse processo.
Reconhecer a adicção como uma doença permite desenvolver estratégias mais eficazes de enfrentamento e tratamento. Embora não tenha cura, é uma condição que pode ser controlada. Viver como um adicto em recuperação é um ato de coragem e transformação.
Referências:
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