Entre o Prazer e a Dor: Os Caminhos da Dependência

13/05/2025

Entre o Prazer e a Dor: Os Caminhos da Dependência

Por Raique Almeida

            A princípio, quase qualquer coisa pode ser viciante. Embora algumas substâncias apresentem maior potencial de causar dependência, a base da maioria dos vícios é essencialmente a mesma. A dependência química, como ocorre com o álcool ou a nicotina, é uma condição na qual o indivíduo sente, com frequência, uma motivação intensa para consumir determinadas substâncias, mesmo quando isso lhe traz prejuízos. O sistema de recompensa do cérebro, responsável por nos incentivar a repetir comportamentos que aumentam nossas chances de sobrevivência ou reprodução, pode ser ativado artificialmente por essas substâncias de maneira intensa e rápida.

Ao consumir algo como a cocaína, por exemplo, o núcleo accumbens do cérebro é inundado por dopamina. O uso prolongado leva o cérebro a tentar restabelecer um equilíbrio químico, o que pode ocorrer por meio da redução da produção de dopamina ou da diminuição da quantidade de receptores para esse neurotransmissor. Como consequência, o indivíduo passa a sentir cada vez menos prazer com as mesmas experiências que antes lhe proporcionavam satisfação. Esse fenômeno está relacionado à tolerância, que ocorre quando a dose usual da substância se torna menos eficaz, exigindo quantidades maiores para se atingir o mesmo efeito.

Embora todas as substâncias que causam dependência afetem de alguma forma o sistema de recompensa, a maneira exata como cada uma atua no cérebro varia significativamente. Os transtornos relacionados ao uso de substâncias representam hoje um grave problema de saúde pública, podendo provocar consequências médicas sérias, contribuir para o surgimento de outros transtornos mentais e até levar à morte. Muitas pessoas ainda acreditam que o vício está ligado à falta de educação, ao mau caráter ou à fraqueza moral, mas os estudos demonstram que essa questão é muito mais complexa.

Diversos fatores contribuem para a vulnerabilidade ao vício, como predisposições genéticas, experiências de vida, traços de personalidade, pressões sociais e o contexto cultural. A genética tem papel fundamental na transição do uso abusivo para a dependência, enquanto o ambiente social costuma ser determinante no contato inicial com a substância. Além disso, há uma forte associação entre transtornos mentais e o uso problemático de drogas. Quanto mais precoce for o contato com a substância, maior será a probabilidade de o vício se desenvolver. A ausência de vínculos afetivos significativos também é um fator de risco importante. A necessidade de conexão e pertencimento é uma das mais básicas do ser humano, e a solidão pode ter consequências profundas.

O consumo frequente de uma substância, por si só, não caracteriza dependência. Na psicologia e na psiquiatria, diversos critérios são utilizados para diagnosticar o transtorno por uso de substâncias. Esse transtorno ocorre quando o indivíduo consome determinada substância com frequência, mesmo diante de prejuízos evidentes. É comum que a pessoa utilize quantidades maiores do que o planejado, tente interromper o uso diversas vezes sem sucesso, dedique tempo e esforço para obter novamente a substância e apresente fissura, que é o desejo intenso de consumo, a ponto de dificultar a concentração em qualquer outra atividade. Mesmo diante de danos à saúde, à vida profissional ou aos relacionamentos, o uso da substância pode continuar.

Dois grandes desafios para a superação do vício são os sintomas de abstinência e a recaída. A interrupção do uso pode provocar desde leve nervosismo até sintomas mais graves, como alucinações. A recaída, ou seja, o retorno ao consumo mesmo após longos períodos de abstinência, é bastante comum. A boa notícia é que existem tratamentos eficazes. A abordagem ideal dependerá do tipo de substância, da gravidade do quadro e de outros fatores individuais. O primeiro passo, frequentemente o mais difícil, é o reconhecimento do problema. Muitas pessoas, mesmo em situações de dependência grave, acreditam que podem parar quando quiserem ou minimizam os danos. O segundo passo é buscar ajuda. O apoio de familiares e amigos é essencial, mas a orientação de profissionais qualificados, como psicólogos e psiquiatras, pode ser decisiva no processo de recuperação.

Referências:

MALBERGIER, André; CARDOSO, Gustavo.
Dependência Química: Prevenção, Diagnóstico e Tratamento. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015.

GOODMAN, A. Neurobiology of addiction. Nature Reviews Neuroscience, London, v. 9, n. 11, p. 695-703, 2008.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS).
Relatório Mundial sobre Drogas 2023. Genebra: OMS, 2023.

DINIZ, Debora. Dependência química e direitos humanos. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 11, p. 3513-3520, 2017.

ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSIQUIATRIA.
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

 

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