Co-ocorrência entre transtorno de déficit de atenção/hiperatividade e uso de substâncias psicoativas
12/04/2025

Por Claudia M. Szobot e Marcos Romano
Estudos clínicos e comunitários mostram uma relação significativa entre o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) e o uso problemático de drogas e outras substâncias. Aproximadamente 30% das pessoas que enfrentam problemas com drogas também apresentam sintomas de TDAH um número muito mais alto do que o encontrado na população geral.
Pesquisas feitas com adultos dependentes de substâncias como a cocaína revelam taxas de TDAH em torno de 35%. Já em adolescentes que abusam de álcool ou outras drogas, também são comuns os diagnósticos de TDAH, com ou sem a presença de outros transtornos comportamentais. Por exemplo, um estudo com jovens dependentes de álcool mostrou que mais de 70% deles também tinham TDAH, transtornos de conduta ou ambos. Outro levantamento encontrou uma taxa de 25% de TDAH entre adolescentes internados por problemas com álcool. Esses números, embora não sejam conclusivos, reforçam a importância de se investigar a presença do transtorno em quem faz uso frequente de substâncias.
Quando se olha para adolescentes com TDAH, os estudos ainda não chegam a um consenso. Alguns deles não identificaram aumento no risco de uso de drogas entre esses jovens, principalmente em pesquisas que não consideraram se os participantes estavam ou não em tratamento para o transtorno. Porém, estudos mais recentes mostram que o risco de uso de substâncias pode ser reduzido quando o TDAH é tratado desde cedo. Outros estudos, por sua vez, identificaram uma relação clara: adolescentes com TDAH tendem a usar mais álcool, maconha e outras drogas, e a fazer isso de forma mais precoce e intensa.
Um dos fatores que pode interferir nos resultados é a presença de outros transtornos associados, como os problemas de conduta, que aparecem em 30% a 50% dos casos de TDAH. Um estudo realizado no Brasil, por exemplo, mostrou que, mesmo considerando a presença de outros problemas e ajustando os dados para fatores como inteligência, religião e etnia, adolescentes com TDAH apresentavam risco muito maior para uso de substâncias ilícitas.
Mesmo com algumas divergências, o conjunto de pesquisas aponta que crianças e adolescentes com TDAH estão mais vulneráveis ao uso de drogas. Isso pode ser explicado por fatores como baixa autoestima, dificuldades escolares, impulsividade e problemas com planejamento e autocontrole. Essas características, comuns no TDAH, também aparecem com frequência em pessoas que desenvolvem dependência química. Além disso, estudos mostram que tanto o transtorno quanto o uso de substâncias envolvem alterações em áreas semelhantes do cérebro, especialmente em sistemas ligados ao prazer, à atenção e ao controle de impulsos.
Outro ponto importante é que algumas substâncias podem provocar efeitos que, de forma momentânea, aliviam certos sintomas do TDAH. A nicotina, por exemplo, pode aumentar a atenção em quem tem o transtorno, e isso pode fazer com que o uso seja repetido. Já o uso de maconha pode diminuir a impulsividade, também levando à automedicação. Esses fatores contribuem para que jovens com TDAH comecem a usar substâncias mais cedo e passem mais rapidamente do uso ocasional para um uso problemático.
Além disso, estudos mostram que pessoas com TDAH tendem a apresentar mais recaídas, maiores dificuldades para manter a abstinência e menor adesão aos tratamentos tradicionais contra dependência química. Em adolescentes usuários de maconha com diagnóstico de TDAH, por exemplo, o tempo de permanência no tratamento costuma ser mais curto, e as chances de recaída, mais altas. O mesmo vale para o uso de álcool e cigarro.
Diante dessa realidade, o tratamento de quem apresenta as duas condições deve começar com uma avaliação ampla, levando em conta todos os aspectos da vida da pessoa da escola ao convívio familiar. O ideal é que a avaliação do TDAH ocorra após pelo menos um mês de abstinência, para que os sintomas possam ser identificados de maneira mais confiável.
A prioridade inicial costuma ser tratar o problema com drogas, mas dependendo da gravidade dos sintomas do TDAH, pode ser necessário iniciar os dois tratamentos ao mesmo tempo. Isso porque, em muitos casos, o transtorno atrapalha o esforço para parar de usar substâncias. O acompanhamento familiar, o retorno aos estudos ou ao trabalho e a participação em grupos de apoio são partes fundamentais do processo.
Em relação à medicação, o metilfenidato é o principal remédio usado no Brasil para o tratamento do TDAH. Existem versões de liberação prolongada desse medicamento, que são preferidas nos casos de pessoas com histórico de dependência, pois oferecem menor risco de uso inadequado. Estudos mostram que o metilfenidato, quando usado em doses terapêuticas, não aumenta o risco de recaída ou de abuso de substâncias. Pelo contrário, seu uso está associado a uma melhora nos sintomas do transtorno e na qualidade de vida, mesmo em pessoas que ainda não estão completamente abstinentes.
Outras opções de medicamentos, como a atomoxetina, a bupropiona e o modafinil, também se mostram seguras e eficazes. Não há evidências de que o tipo de substância usada pela pessoa interfira na resposta ao tratamento do TDAH. O uso da medicação deve ser acompanhado de perto, com exames periódicos para verificar o consumo de drogas e garantir que o tratamento esteja sendo seguido corretamente.
Já na parte psicoterapêutica, abordagens como a terapia cognitivo-comportamental, os programas de prevenção de recaída e a entrevista motivacional são eficazes tanto para lidar com a dependência química quanto com os sintomas do TDAH. Sessões mais estruturadas, com foco em organização, planejamento e controle de impulsos, costumam funcionar melhor para esses pacientes. Técnicas como escrever listas, identificar situações de risco e treinar a resolução de problemas são estratégias valiosas que ajudam não só na prevenção de recaídas, mas também na retomada de outras áreas da vida.
Em resumo, os dados mostram que tratar o TDAH de forma adequada, especialmente desde a infância, pode ajudar a prevenir o uso problemático de drogas no futuro. Crianças e adolescentes com o transtorno têm um risco aumentado para esse tipo de problema, mesmo quando não apresentam outros transtornos associados. Eles tendem a passar mais rapidamente da experimentação ao uso frequente e enfrentam mais dificuldades para largar o vício. Portanto, o reconhecimento precoce, o tratamento combinado (medicamentoso e psicoterápico) e o apoio contínuo são essenciais para oferecer a essas pessoas melhores chances de recuperação e de qualidade de vida.