Menopausa e Adicção: Sofrimentos Invisíveis e o Caminho do Cuidado Integrado

13/06/2025

Menopausa e Adicção: Sofrimentos Invisíveis e o Caminho do Cuidado Integrado

Por Raique Almeida

            A menopausa é uma etapa natural da vida da mulher, marcada pela interrupção definitiva da menstruação e por intensas mudanças hormonais, físicas, emocionais e sociais. No entanto, embora biologicamente prevista, essa fase costuma ser vivenciada com sofrimento e, muitas vezes, invisibilizada no debate público e nos serviços de saúde. Em especial, o vínculo entre menopausa e o uso problemático de substâncias psicoativas — a adicção — ainda é pouco explorado, embora crescente e preocupante.

            Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS, 2022), cerca de 20% das mulheres entre 45 e 60 anos apresentam quadros de sofrimento psíquico moderado a grave relacionados à transição menopausal. As queixas mais frequentes incluem ansiedade, depressão, insônia, irritabilidade, fadiga e sentimentos de solidão e inadequação social. Para lidar com tais sintomas, muitas mulheres acabam recorrendo ao uso de psicotrópicos (como ansiolíticos, antidepressivos e hipnóticos) ou substâncias como o álcool, o tabaco e até drogas ilícitas, como forma de automedicação.

Quando o silêncio adoece: a menopausa e o sofrimento não nomeado

            A menopausa é frequentemente cercada de tabus. Muitas mulheres se sentem envergonhadas, incompreendidas ou desvalorizadas em um contexto que associa juventude à produtividade e beleza. Esse cenário pode levar a um sofrimento subjetivo profundo, especialmente quando somado a fatores como abandono afetivo, exclusão social, sobrecarga no trabalho doméstico e histórico de violências.

            Como aponta Veena Das (2007), o sofrimento não é apenas uma experiência individual, mas é também moldado por contextos históricos e sociais. Assim, o sofrimento psíquico da mulher na menopausa não é apenas hormonal: é também social, político e relacional. E é nesse cenário de invisibilidade que o uso de substâncias pode surgir como uma tentativa de fuga, anestesia ou regulação emocional.

A medicalização e o risco da dependência

            Pesquisas indicam que mulheres entre 45 e 60 anos são grandes consumidoras de benzodiazepínicos (como o clonazepam e o diazepam), geralmente prescritos para sintomas de ansiedade e insônia (FIORUCCI & VIEIRA, 2021). O uso prolongado desses medicamentos, especialmente sem acompanhamento adequado, aumenta o risco de dependência química.

            Além disso, muitas vezes essas mulheres não recebem alternativas terapêuticas eficazes, como acolhimento psicológico, práticas integrativas ou grupos de apoio. A prescrição médica acaba sendo a única resposta oferecida, reforçando a lógica da medicalização do corpo feminino, como denuncia Silvia Federici (2017): “O corpo da mulher tem sido historicamente um campo de controle social e político, inclusive pela via médica”.

A adicção feminina: invisibilidade e estigma

            A adicção em mulheres ainda é cercada de moralismo e preconceito, o que dificulta o pedido de ajuda. No caso de mulheres maduras ou idosas, o estigma é ainda maior, pois contraria a ideia de que a dependência química é um problema apenas de jovens. Assim, muitas mulheres vivenciam o uso problemático de substâncias de forma silenciosa, com vergonha ou medo de serem julgadas como "fracas", "desequilibradas" ou "más mães".

            Esse silêncio alimenta o sofrimento e retarda o acesso ao cuidado. Como aponta Costa (2019), “o tratamento da dependência feminina exige abordagens específicas, que considerem os marcadores de gênero, idade, corpo e história de vida”.

O papel das clínicas terapêuticas no cuidado à mulher na menopausa

            Clínicas terapêuticas comprometidas com uma abordagem ética e humanizada devem reconhecer a menopausa como uma fase de transição delicada e multifacetada, que pode sim estar relacionada ao surgimento ou agravamento da adicção. O acolhimento qualificado a essas mulheres deve considerar:

  • Escuta ativa e respeitosa, livre de julgamentos morais;
  • Acompanhamento psicológico e psiquiátrico responsável, com foco na redução de danos;
  • Práticas integrativas como meditação, yoga, arteterapia e fitoterapia;
  • Fortalecimento da autoestima e do protagonismo feminino;
  • Ações de reinserção social e apoio à autonomia.

            Mais do que tratar a dependência, é preciso cuidar da história, da subjetividade e da dignidade dessas mulheres, oferecendo caminhos de reconstrução e pertencimento.

Conclusão

            A relação entre menopausa e adicção é uma realidade ainda pouco discutida, mas urgente. Invisibilizar esse vínculo é negar o sofrimento de milhares de mulheres que, na fase em que mais precisariam de cuidado e acolhimento, encontram solidão e medicalização excessiva. Que possamos construir práticas terapêuticas que enxerguem a mulher por inteiro — em sua dor, sua potência e sua capacidade de recomeçar.

Referências

  • COSTA, Ana Lúcia. Gênero, drogas e cuidado: experiências femininas no uso e tratamento. São Paulo: Hucitec, 2019.
  • DAS, Veena. O sofrimento como forma de vida. São Paulo: Unesp, 2007.
  • FEDERICI, Silvia. O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e luta feminista. São Paulo: Elefante, 2017.
  • FIORUCCI, M.; VIEIRA, P. R. Mulheres e psicotrópicos: uma análise crítica da medicalização na menopausa. Revista Estudos Interdisciplinares em Saúde, 2021.
  • ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Saúde da mulher no envelhecimento. Genebra: WHO Reports, 2022.

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