O tratamento da dependência quÃmica e o ordenamento jurÃdico brasileiro
01/06/2025

Por Raique Almeida
O artigo examina a evolução das abordagens legais e sociais em relação à dependência química no Brasil.A autora, defensora pública do Estado de São Paulo, analisa criticamente a transição de um modelo punitivo para uma perspectiva mais humanizada e inclusiva, destacando os desafios e avanços nesse processo.
Historicamente, o tratamento da dependência química no Brasil esteve associado a práticas excludentes, como internações compulsórias e medidas de segurança, que reforçavam o estigma e a marginalização dos adictos. Essas abordagens, muitas vezes respaldadas por uma visão moralista e repressiva, negligenciavam as complexidades da dependência como uma condição de saúde mental e social. A autora destaca que, durante décadas, o sistema jurídico brasileiro tratou os adictos mais como criminosos do que como indivíduos necessitados de cuidados especializados.
A promulgação da Lei nº 11.343/2006, conhecida como Lei de Drogas, representou um marco na tentativa de reformular essa abordagem.A lei introduziu medidas alternativas à prisão para adictos, como advertência, prestação de serviços à comunidade e participação em programas educativos.No entanto, a autora aponta que, apesar dessas mudanças legislativas, a aplicação prática da lei ainda enfrenta resistência e interpretações conservadoras que perpetuam a criminalização dos adictos.
A defensora pública enfatiza a importância de políticas públicas que priorizem a reinserção social e o tratamento humanizado dos adictos. Ela destaca a necessidade de uma rede de atenção psicossocial integrada, que ofereça suporte contínuo e multidisciplinar aos adictos, respeitando seus direitos e promovendo sua autonomia. Nesse contexto, os Centros de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPS AD) são apresentados como exemplos de serviços que buscam atender às necessidades específicas dessa população, embora ainda enfrentem desafios em termos de recursos e abrangência.
O artigo também aborda o papel da Defensoria Pública na proteção dos direitos dos adictos.A autora argumenta que a instituição deve atuar não apenas na defesa jurídica dos indivíduos, mas também na promoção de políticas públicas inclusivas e na fiscalização de práticas que possam violar os direitos humanos.Ela ressalta a importância de uma atuação proativa da Defensoria na identificação de casos de internação compulsória indevida e na garantia de acesso a tratamentos adequados.
Além disso, a autora discute a necessidade de uma mudança cultural na percepção da dependência química. Ela defende que é fundamental superar o estigma associado ao uso de substâncias e reconhecer a dependência como uma questão de saúde pública que requer abordagens baseadas em evidências científicas e no respeito aos direitos individuais. A autora sugere que campanhas educativas e programas de prevenção devem ser implementados para promover uma compreensão mais empática e informada sobre o tema.
Em conclusão, o artigo destaca que, embora haja avanços legislativos e institucionais na abordagem da dependência química no Brasil, ainda existem obstáculos significativos a serem superados. A autora enfatiza a necessidade de uma articulação efetiva entre o sistema jurídico, as políticas de saúde e a sociedade civil para promover uma resposta mais justa e eficaz à dependência química. Ela conclui que a construção de um modelo de tratamento baseado na dignidade, na inclusão e no respeito aos direitos humanos é essencial para enfrentar os desafios associados à dependência de substâncias no país.
Referência:
SILVA, Maria Aparecida. O tratamento da dependência química e o ordenamento jurídico brasileiro: primeiros passos. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, São Paulo, v. 17, n. 2, p. 281-292, jun. 2014.