Uma investigação sobre o vício em adultos com estresse no início da vida
21/05/2025

Por Raique Almeida
O artigo apresenta uma análise profunda sobre como experiências adversas vividas durante a infância influenciam o surgimento de comportamentos aditivos na vida adulta. A pesquisa foi desenvolvida por meio de uma metassíntese de estudos qualitativos, um método que permite integrar achados de múltiplas investigações para gerar uma compreensão mais abrangente e significativa de determinado fenômeno. A partir da seleção criteriosa de 12 estudos entre mais de mil inicialmente identificados, os autores buscaram compreender as vivências de adultos que enfrentam o vício e que passaram por situações de estresse significativo no início de suas vidas, como negligência, abuso físico, sexual, emocional ou exposição à violência doméstica.
A investigação revelou que o uso de substâncias psicoativas frequentemente surge como uma estratégia de enfrentamento frente à dor emocional não elaborada e aos traumas não resolvidos da infância. Muitos dos adultos incluídos nos estudos analisados relataram terem iniciado o uso de álcool, drogas ilícitas ou medicamentos controlados como forma de anestesiar a dor psíquica e o sofrimento acumulado desde os primeiros anos de vida. Em diversos casos, o vício não era apenas uma escolha errada ou fruto de influências externas, mas uma tentativa desesperada de autocuidado, uma forma inconsciente de lidar com sentimentos de abandono, rejeição, medo e insegurança profundamente enraizados. Essa perspectiva desafia visões simplistas e moralistas sobre o comportamento aditivo, pois revela a complexidade emocional e social que envolve o fenômeno da dependência química.
A metassíntese aponta também que há uma conexão direta entre o histórico de traumas infantis e o sentimento de desvalorização pessoal na fase adulta, o que alimenta ainda mais o ciclo do vício. Os relatos demonstram que a ausência de vínculos afetivos seguros, combinada com um ambiente familiar instável ou hostil, fragiliza a autoestima e as habilidades de enfrentamento desses indivíduos, tornando-os mais vulneráveis à dependência de substâncias como uma forma de preencher lacunas emocionais. Em muitos casos, os adultos analisados descreveram que o consumo de substâncias proporcionava uma sensação momentânea de controle, alívio ou pertencimento elementos que foram escassos ou inexistentes em sua infância. Contudo, esses efeitos são temporários, e com o tempo, o vício passa a aprofundar ainda mais o sofrimento psíquico, levando a sentimentos de culpa, vergonha, isolamento social e, frequentemente, à revitimização.
Outro aspecto importante evidenciado no artigo é a necessidade de abordagens terapêuticas que considerem o impacto dos traumas precoces no tratamento da dependência. Os autores argumentam que, para que haja um processo de recuperação efetivo, é fundamental que o atendimento em saúde mental e reabilitação do vício vá além do controle do uso de substâncias e incorpore uma compreensão sensível e empática da trajetória de vida do indivíduo. Nesse sentido, estratégias terapêuticas baseadas em práticas de cuidado centradas na pessoa, que valorizem a escuta, o acolhimento e a reconstrução de vínculos afetivos seguros, são apontadas como mais eficazes. O vício, segundo a análise apresentada, não pode ser compreendido isoladamente, mas sim como parte de uma teia complexa de fatores sociais, emocionais e relacionais que remontam à infância e que moldam a forma como os indivíduos lidam com o sofrimento ao longo da vida.
A metassíntese realizada pelos autores oferece uma importante contribuição para a compreensão do vício como um fenômeno multifacetado, cuja raiz, em muitos casos, está plantada nas experiências dolorosas e negligenciadas da infância. Ao iluminar essa relação entre estresse precoce e comportamento aditivo, o estudo propõe uma ruptura com concepções punitivistas e estigmatizantes da dependência química, convidando profissionais de saúde, educadores e formuladores de políticas públicas a olharem para o fenômeno com mais profundidade e sensibilidade. A mensagem central do artigo é clara para tratar efetivamente o vício, é preciso, antes de tudo, compreender a dor que o precede. Ao reconhecer o sofrimento invisível que muitas vezes está por trás do uso abusivo de substâncias, abre-se espaço para intervenções mais humanas, integradas e transformadoras.
Referências:
Teixeira, Carla Araujo Bastos; Lasiuk, Gerri; Barton, Sylvia; Fernandes, Maria Neyrian de Fátima; Gherardi-Donato, Edilaine Cristina da Silva. Uma investigação sobre o vício em adultos com estresse no início da vida: uma metassíntese. Revista Latino-Americana de Enfermagem, v. 25, e2939, 2017.