Adicção à Maconha: Mecanismos, Consequências e Desafios no Tratamento

17/05/2025

Adicção à Maconha: Mecanismos, Consequências e Desafios no Tratamento

Por Raique Almeida

            Compreender os fatores que levam ao desenvolvimento da adicção à maconha é essencial para a formulação de estratégias de prevenção e tratamento. Para que se configure um quadro de dependência propriamente dito, é necessário que coexistam tanto a dependência física quanto a psicológica. Ainda que comportamentos aditivos possam ser analisados em outra categoria, no caso específico das substâncias psicoativas, ambos os tipos de dependência devem estar presentes para caracterizar a adicção.

O desenvolvimento da dependência não ocorre de forma aleatória. Na maioria dos casos, o indivíduo identifica algum tipo de ganho secundário no uso da substância, geralmente associado ao tetrahidrocanabinol (THC), principal canabinoide psicoativo presente na planta. Entre esses efeitos estão a sensação de alívio da ansiedade, a indução ao sono, o aumento do apetite, a redução do estresse e a tentativa de esquecimento de experiências traumáticas. Para muitos adictos, a maconha se torna uma espécie de "recurso indispensável" para lidar com as dificuldades da vida cotidiana. Em termos gerais, a adicção consolida-se quando o indivíduo acredita que está compensando déficits emocionais ou funcionais por meio do uso da substância.

Uma manifestação comum entre adictos é a afirmação de que se sentem “menos ansiosos” sob o efeito da maconha. Tal percepção está relacionada ao conceito de alostase, processo pelo qual o organismo busca restabelecer seu equilíbrio interno diante de situações de estresse. A substância atua, portanto, como um regulador externo uma espécie de suporte artificial que, a curto prazo, pode parecer eficaz. Contudo, com o uso continuado, ocorre uma diminuição da capacidade do organismo de promover sua própria autorregulação. A consequência é o surgimento de uma dependência psicológica e, em certos casos, física, comprometendo a autonomia e o funcionamento global do indivíduo.

O desenvolvimento da adicção segue, geralmente, um percurso progressivo inicia-se com o uso esporádico, evolui para o uso abusivo e, eventualmente, consolida-se como dependência. Esse processo é sustentado por uma crença disfuncional de que o uso da substância é benéfico. A desconstrução dessa crença é um passo fundamental para a interrupção do ciclo adictivo. Com a devida intervenção psicoterapêutica e, quando necessário, o uso de psicofármacos, é possível tratar condições subjacentes, como ansiedade, de forma mais eficaz e saudável. O uso contínuo da substância como “muleta emocional”, mesmo quando essa já não se faz necessária, tende a agravar quadros clínicos e a comprometer a saúde física e mental ao longo do tempo.

Entre os efeitos negativos mais relevantes do uso crônico da maconha sobre a saúde mental destaca-se a síndrome amotivacional, condição caracterizada por queda acentuada na motivação, autoestima, autocuidado, senso de propósito e energia vital. Adicionalmente, o uso prolongado pode precipitar episódios psicóticos, contribuir para o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos, como a esquizofrenia, e afetar significativamente funções cognitivas superiores, incluindo memória, atenção, orientação espacial e capacidade de planejamento.

Tais prejuízos são especialmente preocupantes em profissões que exigem elevado grau de precisão, concentração e tomada de decisão rápida. A título ilustrativo, o comprometimento funcional pode ser observado, ao longo do tempo, em profissionais como cirurgiões, engenheiros e arquitetos, cuja atuação demanda refinadas habilidades cognitivas e motoras. Ainda que os impactos possam ser menos perceptíveis em atividades de natureza repetitiva ou mecânica, são especialmente danosos em funções de alto risco. Isso justifica a obrigatoriedade de exames toxicológicos em categorias profissionais como pilotos, motoristas e operadores de maquinário. Se a maconha fosse isenta de riscos funcionais, não haveria contraindicação legal ou médica para o exercício de atividades críticas sob sua influência o que, evidentemente, não corresponde à realidade.

Referências:

BRASIL. Ministério da Saúde. Viva voz: sistema nacional de orientação e informação sobre drogas. Brasília: Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, 2014.

CARLINI, E. A. A maconha como droga: aspectos científicos, sociais e legais. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo, 2006.

BORGES, L. R.; OLIVEIRA, L. G. de; NAPPO, S. A. A influência do uso da maconha na vida cotidiana de jovens universitários. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 27, n. 3, p. 265–272, 2011.

KOZASA, E. H.; RANGÉ, B. P. Aspectos neuropsicológicos do uso crônico de maconha: evidências e controvérsias. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, São Paulo, v. 9, n. 1, p. 54–60, 2013.

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