Complicações cardiovasculares em usuário de cocaína: relato de caso
15/05/2025

Por Fernanda Martins Gazoni, Adriano A. M. Truffa, Carolina Kawamura, Hélio Penna Guimarães, Renato Delascio Lopes, Letícia Vendrame Sandre e Antonio Carlos Lopes
O artigo apresenta um estudo clínico detalhado sobre os efeitos nocivos do uso crônico de cocaína no sistema cardiovascular, por meio da análise do caso de um jovem de 19 anos, usuário de cocaína e crack desde os 15 anos. O paciente deu entrada no hospital em fevereiro de 2006 com sintomas de dispneia progressiva, tosse com expectoração sanguinolenta, estase jugular e edema em membros inferiores. O exame ecocardiográfico revelou dilatação das quatro câmaras cardíacas, hipocinesia difusa do ventrículo esquerdo, presença de um trombo mural de 17 mm e fração de ejeção extremamente reduzida (12%). A broncoscopia evidenciou sangramento ativo na língula, o que levou à realização de embolização. Após estabilização clínica, foi instituído tratamento antitrombótico com enoxaparina e warfarina. A cineangiocoronariografia realizada não identificou lesões obstrutivas nas artérias coronárias, permitindo a alta hospitalar após melhora dos sintomas.
Entretanto, cerca de cinco meses após a alta, o paciente retornou com dor torácica intensa e dispneia em repouso. Uma nova cineangiocoronariografia revelou oclusão total do terço médio da artéria descendente anterior, o que levou à tentativa de angioplastia primária, que não teve sucesso. O ecocardiograma demonstrou manutenção da disfunção sistólica grave com fração de ejeção de 20%. Mesmo com suporte clínico, o paciente evoluiu para parada cardiorrespiratória em assistolia e foi a óbito.
O relato reforça o papel central da cocaína como agente agressor ao sistema cardiovascular. A droga age por meio da estimulação intensa dos receptores adrenérgicos, promovendo aumento da contratilidade cardíaca, vasoconstrição coronariana, elevação da pressão arterial e maior consumo de oxigênio pelo miocárdio. Também potencializa a agregação plaquetária, contribuindo para a formação de trombos e para o desenvolvimento de aterosclerose precoce. Esses mecanismos explicam a ampla gama de manifestações cardiovasculares associadas ao seu uso, como infarto agudo do miocárdio, arritmias, cardiomiopatia dilatada e até morte súbita.
A literatura aponta ainda que o uso crônico de cocaína pode causar alterações estruturais no músculo cardíaco, incluindo fibrose, necrose focal e inflamação, além de disfunção do sistema nervoso simpático. Tais mudanças podem ocorrer mesmo na ausência de obstrução coronariana significativa, o que torna o diagnóstico e o manejo mais complexos. Este caso evidencia a necessidade de se considerar o uso de substâncias ilícitas, como a cocaína, no diagnóstico diferencial de síndromes coronarianas e outras condições cardíacas, sobretudo em pacientes jovens e sem fatores de risco tradicionais.
Em síntese, o artigo alerta para as consequências cardiovasculares graves e potencialmente fatais do uso de cocaína, ressaltando a importância do reconhecimento precoce desses quadros e da abordagem multidisciplinar no tratamento. Também reforça a necessidade de políticas públicas voltadas à prevenção e ao combate ao uso de drogas ilícitas, com foco na educação e na saúde pública, dada a alta prevalência e os riscos significativos associados ao consumo dessa substância.