Uso Indevido de Psicofármacos na Terceira Idade: Um Problema Invisível, mas Real

13/06/2025

Uso Indevido de Psicofármacos na Terceira Idade: Um Problema Invisível, mas Real

Por Raique Almeida

            A população idosa tem crescido de forma acelerada no Brasil. Segundo o IBGE (2023), já somos mais de 33 milhões de pessoas com 60 anos ou mais, e a tendência é que esse número continue aumentando nas próximas décadas. Com o envelhecimento, também surgem desafios importantes para a saúde física e mental dessa população — e entre eles está o uso indevido de medicamentos psicotrópicos, um fenômeno silencioso que preocupa profissionais da saúde e da assistência social.

            Estudos indicam que mais de 25% dos idosos fazem uso de psicofármacos sem orientação adequada ou continuam tratamentos iniciados em momentos de crise, sem reavaliação médica regular (FREITAS et al., 2019; OMS, 2021). Entre os psicotrópicos mais consumidos estão os benzodiazepínicos (como o diazepam e o clonazepam), os antidepressivos, antipsicóticos e os hipnóticos. Embora esses medicamentos sejam importantes em muitos casos, o uso prolongado e sem acompanhamento pode trazer sérios riscos à saúde.

Por que os idosos usam psicotrópicos por conta própria?

            O contexto da velhice envolve perdas significativas: da autonomia, de vínculos familiares, da capacidade produtiva e até da identidade social. A aposentadoria, o luto, a solidão e as doenças crônicas podem levar ao sofrimento psíquico — frequentemente não diagnosticado nem acolhido da forma adequada. Muitos idosos, então, encontram nos medicamentos uma “solução rápida” para controlar a ansiedade, a tristeza, a dor e a insônia (BATISTA; ARAÚJO, 2018).

            Outro fator preocupante é o modelo biomédico centrado na medicalização, ainda muito presente na prática clínica. Profissionais de saúde, diante da queixa de sintomas emocionais ou subjetivos, muitas vezes optam por prescrever medicamentos ao invés de encaminhar para apoio psicossocial, terapia ou grupos de convivência. Como destaca Sílvia Telles (2016), “a saúde mental do idoso é frequentemente reduzida à prescrição de fármacos, ignorando-se aspectos emocionais, sociais e espirituais”.

Quais são os riscos do uso sem acompanhamento?

            Diferente de adultos jovens, os idosos têm um metabolismo mais lento, o que torna o processamento de medicamentos mais delicado. O uso indevido ou contínuo de psicotrópicos pode levar a efeitos colaterais sérios, como:

  • Quedas e fraturas, pela sonolência e perda de equilíbrio;
  • Confusão mental e prejuízos à memória;
  • Agravamento de doenças como demência e depressão;
  • Dependência química, especialmente com benzodiazepínicos;
  • Interações perigosas com outros medicamentos, já que muitos idosos fazem uso de múltiplos remédios simultaneamente (polifarmácia).

            Além dos riscos físicos, há impactos psicossociais importantes. O uso contínuo de psicotrópicos pode levar ao isolamento, à perda de autonomia e à negligência do cuidado emocional, reforçando estereótipos de que “o idoso precisa de remédio para tudo” ou que "é normal envelhecer triste e sedado".

Como enfrentar esse problema?

            A abordagem do uso de psicotrópicos na terceira idade exige uma resposta ética, interdisciplinar e humanizada. É preciso investir em educação em saúde, capacitação de profissionais da atenção básica, acompanhamento regular da prescrição de medicamentos e, principalmente, em alternativas não farmacológicas de cuidado.

            Modelos de atenção como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), grupos terapêuticos, projetos de convivência intergeracional, atividades físicas, culturais e espirituais são fundamentais para fortalecer o vínculo do idoso com a vida, a comunidade e consigo mesmo.

            No campo da recuperação terapêutica, clínicas especializadas também têm papel importante ao oferecer espaços de escuta, desintoxicação segura e reabilitação emocional, sempre respeitando o ritmo, a história e a dignidade da pessoa idosa.

            Como afirma Paulo Amarante (2017), referência na reforma psiquiátrica brasileira, “o cuidado em saúde mental deve ser uma construção afetiva, ética e comunitária — e nunca um aprisionamento químico do sofrimento humano”.

Conclusão

            O uso indevido de psicofármacos por pessoas idosas é um problema de saúde pública que ainda recebe pouca atenção. Enfrentar essa questão é um passo essencial para garantir o envelhecimento com qualidade de vida, autonomia e respeito. Mais do que tratar sintomas, é preciso cuidar das causas, ouvir o que os idosos têm a dizer e oferecer alternativas reais para que eles vivam com dignidade e saúde.

Referências

  • AMARANTE, Paulo. Saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2017.
  • BATISTA, K.; ARAÚJO, R. R. Medicalização na velhice: uma análise crítica da prescrição de psicotrópicos. Revista Ciência & Saúde Coletiva, 2018.
  • FREITAS, L. F. et al. Uso de benzodiazepínicos entre idosos brasileiros: uma revisão integrativa. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 2019.
  • ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Envelhecimento e saúde mental. Relatório técnico, 2021.
  • TELLES, Sílvia H. Velhice, cuidado e medicalização. In: NUNES, João A. (Org.). Saúde, subjetividade e sociedade. São Paulo: Hucitec, 2016.

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