Abstinência e a redução de danos no processo de recuperação dos adictos de substâncias psicoativas

25/05/2025

Abstinência e a redução de danos no processo de recuperação dos adictos de substâncias psicoativas

Por Raique Almeida

            O artigo discute de forma analítica e crítica duas estratégias amplamente utilizadas no tratamento de adictos de substâncias psicoativas a abstinência total e a redução de danos. O estudo parte da constatação de que a literatura científica sobre a eficácia dessas duas abordagens ainda é incipiente e, muitas vezes, inconclusiva, o que torna o debate sobre suas vantagens e limitações ainda mais pertinente. A pesquisa desenvolvida pelas autoras tem como objetivo compreender a aplicabilidade e os resultados dessas duas estratégias, por meio da análise documental de prontuários de uma instituição de reabilitação, contribuindo assim para uma reflexão mais fundamentada sobre os caminhos possíveis na recuperação da dependência química.

O tratamento da dependência química, conforme abordado pelas autoras, é um campo que requer múltiplas abordagens, devido à complexidade biopsicossocial do fenômeno. A abstinência é compreendida como a interrupção total do consumo de substâncias psicoativas, sendo um modelo tradicionalmente adotado por comunidades terapêuticas e programas baseados em grupos de mútua ajuda, como os Alcoólicos Anônimos e os Narcóticos Anônimos. Essa abordagem é frequentemente defendida por profissionais e instituições que compreendem a dependência como uma condição crônica, sem possibilidade de retorno ao uso controlado. Em contrapartida, a redução de danos é apresentada como uma alternativa mais flexível, que visa minimizar os prejuízos associados ao uso contínuo, mesmo que o consumo não seja completamente eliminado. Essa estratégia reconhece que, para muitos adictos, a abstinência imediata pode ser inviável ou indesejável, e que a manutenção de práticas mais seguras pode representar um avanço significativo na melhoria da qualidade de vida.

A pesquisa de campo realizada pelas autoras baseia-se na análise de 43 prontuários de acolhidos em uma instituição especializada na prevenção e recuperação da dependência química. A coleta de dados incluiu informações sobre o tipo de droga utilizada, o histórico de internações, o engajamento em programas de mútua ajuda e os resultados observados no período pós-tratamento. Os dados obtidos evidenciam que os indivíduos que mantiveram vínculos com os grupos de apoio após a alta apresentaram maior probabilidade de se manterem abstêmios. Esse dado reforça a importância da continuidade do tratamento fora do ambiente institucional, bem como a eficácia das redes de apoio como fatores protetores contra recaídas.

Apesar do predomínio da abstinência como estratégia bem-sucedida no contexto estudado, as autoras não desconsideram o potencial da redução de danos, sobretudo em casos onde o indivíduo apresenta resistência à abstinência ou condições que dificultam a adesão a esse modelo. A redução de danos, nesse sentido, é compreendida não como uma meta final, mas como uma etapa ou estratégia intermediária que pode preparar o indivíduo para uma possível abstinência futura. Essa abordagem também é valorizada por sua perspectiva humanizada e realista, ao reconhecer a autonomia do adicto e respeitar seu tempo e suas escolhas, evitando práticas coercitivas ou punitivas.

Outro aspecto importante levantado no artigo refere-se à influência do método de tratamento adotado durante a internação e no acompanhamento pós-tratamento. As autoras observam que os programas que oferecem suporte contínuo, promovem a inclusão social e incentivam a participação em grupos de ajuda mútua tendem a apresentar melhores resultados. Isso demonstra que o sucesso do tratamento não está exclusivamente relacionado à escolha entre abstinência e redução de danos, mas também à forma como essas abordagens são implementadas, ao vínculo estabelecido entre profissionais e adictos, e à construção de uma rede de apoio eficaz.

O artigo também discute os desafios éticos e práticos envolvidos na aplicação dessas estratégias. Enquanto a abstinência, por vezes, pode ser idealizada como um objetivo absoluto e inquestionável, a redução de danos ainda enfrenta resistências por parte de setores que a associam à conivência com o uso de drogas. As autoras defendem, contudo, que essas estratégias não devem ser encaradas como opostas ou excludentes, mas sim como complementares. Em diferentes contextos e para diferentes perfis de adictos, cada uma pode apresentar maior ou menor eficácia, desde que aplicada com critérios técnicos, escuta sensível e respeito à singularidade de cada indivíduo.

Conclui-se que a discussão entre abstinência e redução de danos não deve se restringir a uma escolha binária, mas deve ser inserida em uma perspectiva ampla de cuidado, que considere as necessidades, os limites e os objetivos de cada adicto. A contribuição das autoras reside justamente em demonstrar, por meio da análise de casos concretos, que ambas as estratégias possuem mérito e que sua eficácia depende, em grande medida, das condições em que são aplicadas e da continuidade do suporte oferecido. O estudo enfatiza ainda a necessidade de novas pesquisas que aprofundem a avaliação dos resultados de diferentes modelos de tratamento, de modo a subsidiar políticas públicas mais eficazes e fundamentadas em evidências.

Referências:

COELHO, Celenita; QUEIROZ E PÉREZ-RAMOS, Aidyl M. de. Abstinência e a redução de danos no processo de recuperação dos dependentes de substâncias psicoativas. Boletim da Academia Paulista de Psicologia, São Paulo, v. 28, n. 1, p. 79–86, jun. 2008.

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