Contextos de abstinência e de recaída na recuperação da dependência química

25/05/2025

Contextos de abstinência e de recaída na recuperação da dependência química

Por Raique Almeida

            O artigo propõe uma análise fenomenológica da experiência vivida por indivíduos em processo de recuperação da dependência química, focalizando os contextos que favorecem a abstinência, bem como aqueles que conduzem à recaída. Os autores buscam compreender, por meio da abordagem qualitativa e fenomenológica existencial, como se constituem os momentos de superação e de retorno ao uso de substâncias, considerando os fatores subjetivos e relacionais envolvidos nesse percurso. A pesquisa foi realizada com doze participantes nove homens e três mulheres residentes na cidade de Caxias do Sul (RS), todos diagnosticados como dependentes químicos segundo os critérios do DSM-IV. Os dados foram coletados por meio de entrevistas abertas e analisados com base nos procedimentos de descrição, redução e interpretação, característicos da fenomenologia.

No que diz respeito aos contextos que sustentam a abstinência, os resultados indicam a emergência de novos sentidos para a vida dos sujeitos, os quais passam a assumir uma postura mais reflexiva diante de suas escolhas e vínculos. A consciência da dependência, o reconhecimento dos prejuízos causados pelo uso das substâncias, a valorização da vida e a vontade de reestabelecer laços afetivos com a família são apontados como elementos centrais que favorecem o compromisso com a recuperação. Além disso, o envolvimento em atividades religiosas, a adesão a grupos de mútua ajuda, a construção de novas amizades afastadas do ambiente de uso e a possibilidade de ajudar outros em situação semelhante aparecem como fatores importantes na sustentação da abstinência. Os participantes revelam que, ao encontrarem redes de apoio, seja no campo profissional, familiar ou espiritual, sentem-se mais fortalecidos para resistir às recaídas e dar continuidade ao projeto de mudança.

Por outro lado, os contextos de recaída são descritos como marcados pela ausência desses vínculos protetores. Os sujeitos relatam sentimentos de solidão, desamparo e impotência diante de conflitos emocionais e situações estressantes. A falta de estrutura familiar, a reinserção em ambientes e relações associados ao uso de substâncias e a idealização de um controle inexistente sobre o consumo contribuem significativamente para o retorno ao uso. Os autores destacam que a recaída, nesses casos, não ocorre de maneira abrupta, mas é precedida por uma série de atitudes e decisões que gradualmente minam o compromisso com a abstinência. Assim, os dados apontam para a complexidade do processo de recuperação, que exige não apenas o afastamento físico da substância, mas também profundas transformações na forma como o sujeito se percebem e se relacionam com o mundo.

Em conclusão, o estudo contribui para a compreensão da dependência química como uma vivência existencial complexa, marcada por conflitos internos e pela influência de múltiplos fatores sociais, afetivos e simbólicos. A abstinência e a recaída são entendidos como processos dinâmicos, que não se explicam apenas por variáveis individuais, mas que exigem a consideração dos contextos nos quais os sujeitos estão inseridos. Os autores sugerem que políticas públicas e práticas clínicas voltadas à recuperação da dependência química devem priorizar o fortalecimento de vínculos afetivos, a reinserção social e a criação de projetos de vida realizáveis, de modo a favorecer a construção de novos sentidos e possibilidades de existência para os indivíduos em recuperação.

Referências:

RIGOTTO, Simone Demore; GOMES, William B. Contextos de abstinência e de recaída na recuperação da dependência química. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 18, n. 1, p. 45–54, jan./abr. 2002.

Blog

Informações sobre prevenção, tratamento e recuperação da dependência química e alcoolismo

Este site usa cookies do Google para fornecer serviços e analisar tráfego.Saiba mais.