O valor simbólico do uso de droga para população em situação de rua: droga que mata e alimenta
12/04/2025

Por Claudia Brito e Valeska Holst Antunes
O termo “droga” tem origem etimológica relacionada a “folha seca”, fazendo alusão ao uso medicinal de plantas, porém, com o tempo, passou a estar vinculado a aspectos negativos como criminalidade, violência, dependência e marginalização. Historicamente, entretanto, o uso de substâncias esteve ligado a rituais religiosos, incremento da força de trabalho, recreação e enfrentamento de adversidades. Atualmente, o uso nocivo de drogas gera impactos profundos na saúde pública, sendo responsável por milhões de casos de morbidade, sofrimento psicológico, exclusão social e mortes.
Segundo dados recentes, cerca de 296 milhões de pessoas consomem drogas no mundo, com tendência de aumento. No Brasil, a estimativa é de 4,9 milhões de usuários entre 12 e 65 anos, com o álcool sendo a substância de maior preocupação. O crack é fortemente associado à exclusão social e à população em situação de rua, reforçando o estigma e ampliando as dificuldades no acesso à saúde, trabalho e assistência.
O artigo baseia-se em uma pesquisa de abordagem fenomenológica e compreensiva, realizada entre 2017 e 2019 na cidade do Rio de Janeiro, com o objetivo de compreender o modo de vida e o cuidado em saúde da população em situação de rua, especialmente usuários de drogas. Foram utilizados métodos como observação participante (no Consultório na Rua – CnaR), entrevistas com 24 usuários e grupos focais com profissionais da saúde. A análise se baseou na narrativa dos sujeitos e nas suas experiências com o uso de drogas, a rua e o cuidado recebido.
Os resultados revelaram que para 75% dos entrevistados, o uso de drogas especialmente crack e álcool – foi o principal motivo para irem para as ruas e também o que os mantêm nesse ambiente. Relataram que antes do uso de crack ainda havia possibilidade de convivência familiar, mas após o uso, a convivência se tornava insustentável. As drogas, sobretudo o crack e a cachaça, são as mais consumidas pela facilidade de acesso e baixo custo, e frequentemente associadas à manutenção da vida na rua, fome, abandono de tratamentos médicos e sofrimento psíquico.
Os entrevistados usavam um amplo espectro de substâncias, desde inalantes até drogas sintéticas, classificando-se como “total flex”, ou seja, consumidores de qualquer droga disponível. A maconha, embora citada, tinha menor expressão na vida das pessoas em situação de rua. O cigarro, por alguns, foi incluído no rol de drogas reconhecidas como viciantes.
A análise revelou que o uso de drogas está intimamente relacionado a categorias como fome, trabalho e renda, abandono de tratamento, saúde mental, preconceito, religiosidade e percepção de si. A droga atua tanto como causadora quanto como consequência do sofrimento, criando um ciclo de exclusão que se retroalimenta. Além disso, profissionais da saúde demonstraram ambivalência no atendimento a essa população, especialmente em relação ao fornecimento de alimentos, ao acesso a benefícios sociais e à abordagem do cuidado frente ao uso de substâncias.
Outro destaque da pesquisa é a fragilidade da resposta institucional, marcada pela predominância da lógica proibicionista e repressiva. O enfoque no combate ao tráfico de drogas e na repressão policial gera efeitos colaterais graves, como homicídios (mais por arma de fogo que por overdose), criminalização do usuário e a negação de direitos básicos. Essa política falha em considerar a complexidade do fenômeno, perpetuando o estigma e agravando a exclusão social.
O estudo evidencia que o proibicionismo, o estigma, a pobreza e a ausência de políticas públicas eficazes contribuem para a manutenção do ciclo de exclusão. A população em situação de rua, usuária de drogas, sofre com a dificuldade de acesso a cuidados de saúde integrais, à moradia, ao trabalho e à dignidade. A pesquisa destaca a necessidade de ações intersetoriais, políticas públicas inclusivas e estratégias de cuidado que superem o julgamento moral e valorizem a singularidade de cada sujeito.