Abordagens da História Das Facções Criminosas do Rio De Janeiro Na Literatura Científica.
22/06/2025

Por Raique Almeida
O artigo apresenta uma investigação rigorosa sobre as formas pelas quais a trajetória histórica das principais facções criminosas do Rio de Janeiro Comando Vermelho (CV) e Terceiro Comando tem sido tratada na literatura científica. Foi formulada a pergunta central “como a história, percursos e desdobramentos da atuação das facções criminais oriundas do estado do Rio de Janeiro são descritos pela literatura científica?”.
Os resultados apontaram que, paradoxalmente, embora existam estudos que mencionem eventos históricos relacionados às facções criminais, poucos os abordam como objeto principal de investigação. Em geral, os trabalhos selecionados tratam a história das facções de modo fragmentário e incidental, incorporando-a em análises de violência urbana, saúde coletiva e políticas públicas. Como padrão, notou-se certa diversidade conceitual enquanto alguns autores enfatizam seu protagonismo no tráfico de drogas, outros apontam uma dimensão cultural, organizacional ou de resistência política. A partir desses aspectos, foi possível classificar os estudos em quatro grandes enfoques: origem, evolução, cultura e relação Estado?facção.
No recorte da origem, há convergência em atribuir ao CV sua gênese no sistema penitenciário da Ilha Grande, no final dos anos 1970, em um contexto de ditadura militar, como uma resposta à violência estatal e à presença ideológica de presos de orientação revolucionária. Esse ambiente foi decisivo para a formação de uma organização com fortes traços paramilitares e uma identidade simbólica constituída por códigos, símbolos e uma hierarquia interna. Essa facção teria se consolidado nos presídios, de onde transbordou para as favelas cariocas na década de 1980.
Quanto à evolução, os estudos revelam que, inicialmente, as facções recorriam a práticas delituosas tradicionais, como roubos a banco, para financiar atividades, migrando gradativamente para o tráfico de cocaína, que se tornou altamente lucrativo. Essa transição esteve harmonizada com fenômenos de corrupção policial e a expansão do consumo de drogas, configurando uma mudança significativa nas dinâmicas do crime organizado.
No que se refere à cultura de facção, algumas pesquisas identificam o surgimento de uma narcocultura ou “cultura de facção”, marcada por traços simbólicos, códigos cotidianos, linguagens e manifestações estéticas que reforçam a identidade grupal. Esta dimensão cultural exerce forte influência tanto no comportamento interno quanto na forma como as facções são percebidas no espaço público.
Por fim, há análises sobre a relação Estado?facção, evidenciando que as facções ocupam vácuos institucionais ou mesmo se apresentam como formas de governança paralela. Em diferentes momentos, esse relacionamento se dá pelo cooptação, oposição política e enfrentamento militar, ilustrando a complexa articulação entre grupos criminosos e o aparato estatal.
Conclui-se que a abordagem da história das facções no âmbito científico permanece superficial, pautada por recortes temáticos que enfatizam determinados aspectos em detrimento de um exame histórico mais amplo. As autoras destacam que esse panorama limitado impede uma compreensão aprofundada das origens, trajetórias e impactos dessas organizações no Rio de Janeiro. Defendem, assim, a necessidade de estudos longitudinais e integrados, que articulem história, sociologia, políticas públicas e cultura no exame das facções criminais, a fim de fortalecer o conhecimento teórico e subsidiarem intervenções eficazes nas periferias e nas políticas de segurança.
Referência:
KRATOCHWILL DE OLIVEIRA, T. F.; SILVA, A.; CONSTANTINO, P. Abordagens da história das facções criminais do Rio de Janeiro na literatura científica: uma revisão de escopo. SciELO Preprints, 2024. Submetido em 17 set. 2024; postado em 18 set. 2024.