O Poder Viciante da Morfina e Seus Impactos na Saúde
12/09/2025

Por Raique Almeida
A morfina, substância derivada do ópio, é um dos analgésicos mais potentes disponíveis na medicina, amplamente utilizada para o controle da dor intensa, sobretudo em contextos de cuidados paliativos e tratamentos oncológicos. No entanto, o seu uso carrega riscos significativos relacionados ao desenvolvimento de dependência química, uma vez que atua diretamente no sistema nervoso central, promovendo efeitos de euforia e bem-estar que podem levar ao consumo abusivo. A dualidade entre seu potencial terapêutico e seu risco de abuso evidencia a necessidade de reflexão crítica sobre sua utilização controlada na prática clínica (SILVA; SANTOS, 2020).
A ação da morfina está relacionada à sua ligação com receptores opioides, principalmente os do tipo μ (mu), responsáveis pela analgesia, mas também pelos efeitos reforçadores que geram prazer. Essa interação bioquímica favorece o aumento da dopamina em regiões cerebrais associadas ao sistema de recompensa, o que explica o alto potencial viciante da substância (CARVALHO; RIBEIRO; ANDRADE, 2019). Assim, embora o medicamento seja fundamental para pacientes em sofrimento físico intenso, ele também apresenta riscos de induzir tolerância, abstinência e dependência, exigindo um acompanhamento rigoroso por parte dos profissionais de saúde.
A tolerância, nesse contexto, consiste na necessidade de doses cada vez maiores para alcançar o mesmo efeito analgésico, o que amplia a probabilidade de uso abusivo. A síndrome de abstinência, por sua vez, manifesta-se quando há interrupção abrupta ou redução da dose, provocando sintomas como ansiedade, irritabilidade, insônia, dores musculares e crises de sudorese (FERREIRA; LOPES, 2021). Esses aspectos reforçam a ideia de que a dependência da morfina transcende apenas o campo físico, afetando também dimensões psicológicas e sociais da vida do indivíduo.
Do ponto de vista social, a dependência química gerada pelo uso inadequado da morfina pode levar ao isolamento, à estigmatização e até ao envolvimento em práticas ilícitas na busca pela substância. Tal realidade remete ao conceito de escravidão moderna do vício, em que o indivíduo perde sua autonomia e passa a viver em função da droga (ALMEIDA; SOUZA, 2022). Por esse motivo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estabelece diretrizes rígidas para a prescrição de opioides, recomendando sua utilização somente em casos específicos, acompanhada de monitoramento contínuo para prevenir abusos e minimizar riscos (OMS, 2019).
Nesse cenário, a dependência da morfina deve ser compreendida como um problema de saúde pública, já que envolve tanto o risco clínico quanto o impacto social. Estratégias de prevenção incluem protocolos de prescrição racional, capacitação de profissionais de saúde e o desenvolvimento de alternativas terapêuticas com menor potencial de abuso. Além disso, programas de reabilitação e acompanhamento psicossocial são fundamentais para a recuperação de indivíduos que já desenvolveram dependência (PEREIRA; MOURA, 2020).
Portanto, a morfina simboliza uma das maiores contradições da farmacologia moderna ao mesmo tempo em que é um recurso indispensável para o alívio da dor, pode aprisionar o indivíduo em um ciclo de dependência e sofrimento. A reflexão sobre seu poder viciante não deve resultar em sua demonização, mas na busca por equilíbrio entre a necessidade terapêutica e a responsabilidade ética de seu uso controlado. Desse modo, a sociedade e os sistemas de saúde são desafiados a garantir que a morfina cumpra sua função primordial de aliviar a dor, sem se tornar fonte de um novo tipo de escravidão.
Referências
ALMEIDA, R.; SOUZA, F. Dependência de opioides e seus impactos sociais. Revista Saúde em Foco, v. 15, n. 2, p. 89-101, 2022.
CARVALHO, J.; RIBEIRO, M.; ANDRADE, P. Neurociência dos opioides: mecanismos de ação e dependência. Cadernos de Neurociências, v. 17, n. 1, p. 33-47, 2019.
FERREIRA, T.; LOPES, D. Síndrome de abstinência de opioides: implicações clínicas. Revista Brasileira de Psiquiatria Clínica, v. 28, n. 4, p. 211-219, 2021.
OMS – Organização Mundial da Saúde. Diretrizes para o manejo da dor e uso de opioides. Genebra: OMS, 2019.
PEREIRA, S.; MOURA, L. Uso racional de analgésicos opioides: desafios e perspectivas. Revista Brasileira de Saúde Coletiva, v. 25, n. 3, p. 145-158, 2020.
SILVA, R.; SANTOS, A. Morfina e dor crônica: dilemas da prescrição. Revista de Medicina e Saúde, v. 12, n. 3, p. 55-64, 2020.