Cocaína e Crack: Efeitos, Mecanismos de Ação e Consequências do Uso no Organismo Humano

15/05/2025

Cocaína e Crack: Efeitos, Mecanismos de Ação e Consequências do Uso no Organismo Humano

Por Raique Almeida

            A cocaína é o principal alcaloide encontrado nas folhas do vegetal Erytroxylum coca, sendo comumente extraída dessa planta para uso recreativo. Ela costuma ser apresentada na forma de um pó branco, popularmente conhecido como "coca", além de outras denominações como “pó”, “farinha” ou “branquinha”. Normalmente, é administrada pela via intranasal, ou seja, aspirada pelo nariz, no ato popularmente chamado de “cheirar cocaína”.

O crack, por sua vez, é uma forma diferente de apresentação da mesma substância psicoativa da cocaína. Ele é um material sólido, composto por pequenas pedras de coloração amarelada, e é conhecido popularmente como “pedra”. Seu uso se dá por meio da inalação, quando as pedras são colocadas em cachimbos ou em cigarros e, ao serem queimadas, produzem um vapor que é inalado pelos usuários.

Apesar de se apresentarem de formas distintas, tanto o pó quanto o crack são derivados da mesma substância e, portanto, produzem efeitos semelhantes no organismo. O que os diferencia é a forma como são consumidos seja aspirado pelo nariz ou inalado pelos pulmões e o modo como cada um é absorvido pelo corpo. Isso tem relação com a toxicocinética, ou seja, o caminho que a droga percorre no organismo, o que influencia diretamente sua intensidade e a rapidez dos efeitos.

Quando a cocaína é consumida pelo nariz, sua absorção é mais lenta e menos intensa. Isso ocorre por conta de seu efeito vasoconstritor, que reduz o diâmetro dos vasos sanguíneos e, consequentemente, a absorção pela mucosa nasofaríngea. Apenas cerca de 20 a 30% da droga é absorvida dessa forma, com os efeitos começando por volta de 15 minutos após o uso e atingindo o pico de intensidade entre 30 e 60 minutos.

Já o crack, ao ser fumado, é absorvido rapidamente pelos pulmões, que possuem uma grande superfície altamente vascularizada. Isso permite que a droga entre quase imediatamente na corrente sanguínea, fazendo com que os efeitos sejam muito mais rápidos e intensos. Em poucos segundos o dependente químico já sente os primeiros efeitos, que atingem seu ápice em cerca de cinco minutos. Essa rapidez e intensidade aumentam significativamente o potencial de vício, em comparação à cocaína aspirada.

No organismo, tanto a cocaína em pó quanto a do crack são amplamente distribuídas, inclusive atravessando a barreira placentária, o que significa que os bebês de mães adictas dessas drogas também são afetados. A eliminação da substância ocorre após sua biotransformação, e amostras de urina, cabelo, saliva e sangue podem ser utilizadas em análises forenses para detectar tanto a presença da cocaína quanto de seus metabólitos.

O principal mecanismo de ação da cocaína está relacionado ao bloqueio da recaptação dos neurotransmissores dopamina, noradrenalina e serotonina. Isso prolonga o tempo de atuação dessas substâncias na fenda sináptica, gerando uma hiperestimulação do sistema nervoso, o que provoca uma intensa sensação de euforia e excitação. Além disso, a cocaína bloqueia a despolarização dos canais de sódio dependentes de voltagem, impedindo a propagação do impulso nervoso. Isso provoca um efeito anestésico local na região onde a droga é administrada.

Entre os efeitos agudos do uso de cocaína ou crack, estão a aceleração dos batimentos cardíacos, aumento da pressão arterial, dilatação das pupilas, agitação, insônia, perda de apetite e hiperatividade. Em casos de overdose que ocorrem quando há consumo de doses muito altas em um curto período de tempo podem surgir convulsões, arritmias, infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral, colapso respiratório e até a morte.

O uso prolongado dessas substâncias, por sua vez, pode levar a sintomas crônicos, tanto psicológicos quanto físicos. Entre eles, destacam-se ansiedade, depressão, irritabilidade, agressividade, paranoias, delírios e alucinações, sintomas esses que caracterizam o quadro de psicose cocaínica. Nesse estado, o adicto pode ter a sensação de estar sendo perseguido, ameaçado ou vigiado, o que o torna extremamente hostil e, muitas vezes, perigoso para si e para os outros.

Os danos físicos a longo prazo também são relevantes. O uso constante pode causar problemas cardiovasculares, respiratórios, neurológicos e hepáticos. No caso do crack e de outras drogas fumadas, é comum o surgimento de infecções bucais, gengivites e a queda dos dentes, consequência da toxicidade e do calor intenso que atingem a cavidade oral.

Outro ponto preocupante é o impacto sobre a gestação. Como a cocaína atravessa a barreira placentária, filhos de mães adictas podem nascer com dependência da substância e sofrer diversos efeitos perinatais, como baixo peso, má formação e dificuldades de desenvolvimento.

Por fim, é importante destacar que o uso de cocaína e crack leva à dependência. Quando o adicto reduz ou interrompe o consumo dessas drogas, surgem os sintomas da chamada síndrome de abstinência, que incluem fadiga extrema, depressão profunda, dificuldade para dormir, irritabilidade, ansiedade, aumento do apetite e desejo intenso de voltar a usar a substância.

Referências:

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