O Açúcar Como Agente Químico: Uma Reflexão Necessária Sobre Um Vício Silencioso

23/06/2025

O Açúcar Como Agente Químico: Uma Reflexão Necessária Sobre Um Vício Silencioso

Por Raique Almeida

            De aparência inofensiva, sabor agradável e presença quase obrigatória em alimentos industrializados e caseiros, o açúcar consolidou-se como um dos ingredientes mais consumidos no mundo moderno. Presente em grande parte da alimentação cotidiana, tanto de crianças quanto de adultos, seu consumo excessivo é amplamente naturalizado e incentivado por práticas sociais, culturais e comerciais. No entanto, essa substância doce e acessível tem se revelado, sob uma análise mais aprofundada, como um potente agente químico, com efeitos nocivos comparáveis aos de substâncias psicoativas ilícitas. Ignorar essa realidade é negligenciar um problema de saúde pública crescente, cujas consequências já são visíveis em diversos indicadores epidemiológicos.

Estudos recentes têm apontado que o açúcar pode provocar efeitos cerebrais semelhantes aos de drogas como a cocaína. Um dos experimentos mais conhecidos nesse sentido foi conduzido por pesquisadores da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. No estudo, ratos machos foram expostos a uma dieta rica em açúcar por um período prolongado. Após essa fase, os pesquisadores interromperam bruscamente o fornecimento da substância, observando nos animais comportamentos de intenso desejo e recaída ao serem novamente expostos ao açúcar. Esses sintomas são característicos do processo de abstinência observado em adictos de substâncias como a cocaína e a heroína.

O principal mecanismo envolvido nesses efeitos está relacionado à dopamina, neurotransmissor responsável pela sensação de prazer e bem-estar. O consumo de açúcar estimula a liberação de grandes quantidades dessa substância, gerando sensações prazerosas intensas. Contudo, o uso constante e elevado compromete a regulação natural da dopamina no cérebro, exigindo doses cada vez maiores para que se atinja os mesmos níveis de satisfação. Essa característica define um dos pilares do vício a tolerância. Com isso, o consumo de açúcar deixa de ser uma escolha e passa a ser uma necessidade compulsiva, dificultando seu controle e potencializando seus danos à saúde.

O Brasil ocupa hoje o quarto lugar entre os países que mais consomem açúcar no mundo, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC). Essa posição evidencia a dimensão do problema, ao mesmo tempo em que demanda ações educativas, regulatórias e clínicas. A elevada ingestão de açúcar está diretamente associada ao aumento de doenças crônicas como diabetes tipo 2, obesidade, hipertensão arterial, doenças cardiovasculares e até certos tipos de câncer. Diante disso, torna-se imperativo rever hábitos alimentares e políticas públicas que favoreçam a redução do consumo de açúcares adicionados na alimentação da população.

Ainda que muitos indivíduos reconheçam os malefícios do açúcar, poucos conseguem abandoná-lo facilmente. A dificuldade em reduzir ou eliminar seu consumo sugere a existência de um vínculo dependente, reforçado por fatores emocionais, fisiológicos e sociais. Assim como em outras formas de adicção, o processo de reabilitação requer esforço, disciplina e, muitas vezes, acompanhamento profissional. Retirar ou ao menos reduzir significativamente o consumo de açúcar é, portanto, uma medida terapêutica preventiva com grande impacto na saúde física e mental.

Enquanto sociedade, é urgente refletir sobre os valores atribuídos ao açúcar e sobre o modo como sua presença é incentivada nos meios de comunicação, na indústria alimentícia e até mesmo no ambiente familiar. A banalização de seus efeitos e a resistência em reconhecer seu potencial aditivo contribuem para a perpetuação de um ciclo de consumo que cobra um preço alto da saúde pública. É provável que, num futuro não muito distante, a sociedade ocidental reconheça o erro de ter tratado o açúcar como um mero ingrediente alimentar. Assim como hoje há consenso sobre os malefícios do cigarro, será necessário admitir que o açúcar, embora lícito e culturalmente aceito, guarda em si características de uma droga potente, viciante e amplamente disseminada.

Referências:

HOEBEL, Bartley G. et al. Evidências comportamentais de vício em açúcar. Universidade de Princeton, Departamento de Psicologia e Neurociência, 2007.

ALEXANDER, Kristina et al. Evidências de dependência de açúcar: efeitos comportamentais e neuroquímicos da ingestão excessiva e intermitente de açúcar. Neuroscience & Biobehavioral Reviews, v. 32, n. 1, p. 20–39, 2008.

INSTITUTO BRASILEIRO DE DEFESA DO CONSUMIDOR (IDEC). Açúcar em excesso: Brasil é um dos maiores consumidores do mundo. São Paulo: IDEC, 2022.

LUSTIG, Robert H. A verdade amarga: o açúcar, a obesidade e as doenças crônicas. Tradução de Maria Cláudia Santos. São Paulo: Paralela, 2014.

MALIK, Vasanti S. et al. Bebidas adoçadas com açúcar e risco de síndrome metabólica e diabetes tipo 2: uma meta-análise. Diabetes Care, v. 33, n. 11, p. 2477–2483, 2010.

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