O lugar do Estado na questão das drogas: o paradigma proibicionista e as alternativas
29/04/2025

Por Maurício Fiore
No artigo é apresentado uma análise crítica sobre o papel que o Estado ocupa na formulação e aplicação das políticas de drogas, concentrando-se especialmente no modelo proibicionista que domina a cena internacional e brasileira. O autor demonstra que esse paradigma, consolidado principalmente a partir da Convenção Única sobre Entorpecentes de 1961, impôs uma divisão artificial entre drogas legais e ilegais, pautada mais por interesses políticos, econômicos e morais do que por critérios científicos. O proibicionismo, segundo Fiore, não surgiu de um único fator, mas sim da interseção de elementos como o puritanismo norte-americano, as pressões das indústrias farmacêuticas e as reações conservadoras diante da desordem urbana. No caso brasileiro, ele ressalta que a criminalização da maconha antecede até mesmo as diretrizes dos Estados Unidos, revelando que as raízes do proibicionismo são também locais e estão ligadas a preconceitos raciais e sociais.
Fiore argumenta que o Estado, ao criminalizar o consumo de certas drogas, acaba por atuar de forma seletiva e violenta, alimentando um sistema de repressão que recai, majoritariamente, sobre os jovens pobres e negros das periferias urbanas. A legislação brasileira, por exemplo, não apresenta critérios claros que distingam o usuário do traficante, o que dá margem a interpretações subjetivas por parte da polícia e da justiça. Com isso, pessoas flagradas com pequenas quantidades de substâncias são frequentemente classificadas como traficantes, sendo submetidas ao encarceramento em massa, o que, em vez de resolver o problema das drogas, contribui para o agravamento das desigualdades sociais e da violência.
Apesar de a crítica ao proibicionismo ter se intensificado nas últimas décadas, muitas das alternativas propostas ainda operam dentro da lógica de controle e punição. No entanto, experiências como a de Portugal mostram que é possível adotar modelos mais eficazes e humanos. Lá, o porte de drogas para uso pessoal deixou de ser crime e passou a ser tratado como infração administrativa, o que resultou em uma redução significativa do número de usuários problemáticos e da iniciação de crianças no consumo. Fiore ressalta que essas políticas, quando fundamentadas em dados empíricos e na redução de danos, apresentam resultados muito mais positivos do que as estratégias repressivas.
Ao propor alternativas ao modelo vigente, o autor defende a necessidade de uma abordagem diferenciada para cada substância, considerando seus efeitos específicos, riscos e contextos sociais. Ele propõe, ainda, o fortalecimento dos mecanismos de autocuidado e de controle social informal, ao invés da criminalização indiscriminada. Para Fiore, políticas públicas eficazes devem ter como base o respeito aos direitos individuais, a promoção da saúde e da justiça social, e a capacidade de o Estado atuar com inteligência, sensibilidade e evidência científica. Assim, ele conclui que a superação do paradigma proibicionista exige não apenas reformas legislativas, mas uma profunda transformação na forma como a sociedade e o Estado compreendem o fenômeno das drogas.