Violência policial contra dependentes químicos: uma análise crítica à luz dos direitos humanos
13/07/2025

Por Raique Almeida
A violência policial dirigida a dependentes químicos representa uma grave violação dos direitos humanos e um reflexo das políticas repressivas que historicamente caracterizam a abordagem das drogas no Brasil. Longe de ser tratada como uma questão de saúde pública, a dependência química tem sido frequentemente criminalizada, o que resulta em práticas punitivas direcionadas, sobretudo, às populações mais vulneráveis socialmente. Segundo Bastos e Bertoni (2014), o tratamento dado às pessoas que usam drogas, em especial nas periferias urbanas, é marcado por estigmas, discriminação e ações policiais desproporcionais, que muitas vezes culminam em agressões físicas e psicológicas.
Estudos demonstram que o aparato policial tende a operar com maior rigor em territórios marginalizados, onde a presença de dependente químico é associada automaticamente à criminalidade, sem qualquer consideração pelo contexto de vulnerabilidade social e saúde mental que permeia esses sujeitos (Fiore, 2012). Isso se intensifica na aplicação seletiva das leis de drogas, que incidem de forma mais dura sobre pessoas negras, pobres e moradoras de favelas, revelando um viés racial e classista nas abordagens policiais. Conforme afirma Wacquant (2007), o Estado penal contemporâneo reproduz lógicas de exclusão, punindo corpos considerados indesejáveis, como os dos dependentes químicos em situação de rua.
A chamada "guerra às drogas", embora alegadamente voltada ao combate ao tráfico, tem servido de justificativa para práticas de controle social violento, em que a polícia atua como instrumento de repressão, muitas vezes sem distinção entre traficante e dependente químico. Conforme destaca Boiteux (2013), a ambiguidade da legislação brasileira sobre drogas, que não define claramente os critérios de diferenciação entre uso e tráfico, permite uma ampla margem de interpretação e arbitrariedades por parte das forças de segurança.
Essas práticas geram não apenas sofrimento físico e psíquico, mas também comprometem o processo de reintegração social dos dependentes químicos, pois reforçam o ciclo de exclusão e marginalização. A violência institucional sofrida por esses sujeitos agrava quadros de transtornos mentais e retarda o acesso a políticas públicas de cuidado e tratamento, perpetuando a invisibilidade social e a desumanização. De acordo com Ribeiro. (2017), a ausência de uma rede de apoio articulada entre saúde, assistência social e justiça contribui para a manutenção de um sistema punitivo ineficaz, que falha em promover a reabilitação.
É imprescindível, portanto, repensar as políticas de drogas sob uma perspectiva garantista e humanitária, centrada nos direitos das pessoas em situação de vulnerabilidade. A repressão policial, em vez de resolver o problema da dependência química, o agrava, transformando uma questão de saúde pública em um problema de segurança. Superar essa lógica exige o fortalecimento das políticas de redução de danos e a promoção de uma cultura institucional baseada no respeito à dignidade humana.
Referências:
BASTOS, F. I.; BERTONI, N. Pesquisa Nacional sobre o uso de crack: quem são os usuários de crack e/ou similares do Brasil? Rio de Janeiro: ICICT/FIOCRUZ, 2014.
BOITEUX, L. A guerra às drogas e os desafios ao direito penal brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2013.
FIORE, M. Uso de drogas, políticas públicas e direitos humanos: desafios para a construção de uma nova política de drogas no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, v. 17, n. 12, p. 3297-3306, 2012.
RIBEIRO, M.; CUNHA, J. A. M.; SANTOS, M. C. P. Abordagem policial e vulnerabilidade social de usuários de drogas: implicações para a atenção à saúde. Revista da Escola de Enfermagem da USP, v. 51, e03232, 2017.
WACQUANT, L. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.