Mentira: Aspectos Sociais e Neurobiológicos
04/06/2025

Por Raique Almeida
O artigo apresenta uma revisão teórica sobre o comportamento de mentir, abordando tanto os aspectos sociais quanto os fundamentos neurobiológicos dessa prática. Os autores partem da constatação de que a mentira é um fenômeno complexo, presente nas interações humanas desde os primeiros anos de vida e com implicações que se estendem à moralidade, à justiça e à saúde mental. A pesquisa busca integrar diferentes áreas do conhecimento, como a psicologia social, a neurociência e o direito, na tentativa de compreender o comportamento de mentir em suas múltiplas dimensões.
Inicialmente, os autores discutem o conceito de mentira, enfatizando sua natureza intencional e deliberada. Mentir é descrito como o ato de comunicar uma informação falsa com o intuito de enganar outra pessoa, diferindo de outras formas de erro, como equívocos ou lapsos de memória. Nesse contexto, a mentira envolve aspectos cognitivos sofisticados, como a capacidade de teorizar sobre a mente do outro, o que remete à teoria da mente, e também exige a inibição de informações verdadeiras, além da elaboração de narrativas plausíveis.
Na perspectiva do desenvolvimento, o artigo apresenta evidências de que a mentira surge ainda na infância e se desenvolve em paralelo à maturação cognitiva e social da criança. Crianças muito pequenas já demonstram capacidade de omitir ou distorcer informações, mas apenas a partir dos quatro anos de idade é que elas adquirem maior habilidade para enganar de forma convincente. Esse desenvolvimento está relacionado à aquisição da teoria da mente, à melhora na função executiva e ao aumento da consciência moral. Os autores salientam que a mentira, embora socialmente reprovada, pode ser considerada um indicador do desenvolvimento saudável da cognição e da sociabilidade em crianças.
No campo das relações sociais, o artigo destaca que a mentira é uma prática comum e, em muitos casos, necessária para a manutenção da convivência. São analisadas as chamadas mentiras sociais ou “mentiras brancas”, que visam evitar conflitos, proteger sentimentos ou preservar a harmonia nos relacionamentos. Os autores argumentam que, embora a mentira esteja associada à desonestidade, seu papel nas interações sociais não é exclusivamente negativo. Ela pode funcionar como uma ferramenta adaptativa em contextos específicos, contribuindo para a coesão social.
A análise dos aspectos neurobiológicos da mentira é um dos pontos centrais do artigo. Com base em estudos de neuroimagem e experimentos de laboratório, os autores discutem as áreas cerebrais envolvidas no ato de mentir, como o córtex pré-frontal dorsolateral, o giro cingulado anterior e os lobos parietais. Essas regiões estão associadas a funções executivas, como o controle inibitório, a tomada de decisão e o monitoramento de erros. A mentira, portanto, requer um alto grau de processamento cognitivo e o envolvimento de estruturas cerebrais complexas. Os autores também abordam a mentira patológica, caracterizada por um padrão compulsivo e crônico de engano, muitas vezes desvinculado de ganhos claros. Essa condição, também conhecida como mitomania, pode estar associada a transtornos de personalidade e alterações no funcionamento do sistema nervoso central.
Por fim, os autores concluem que o estudo da mentira requer uma abordagem interdisciplinar, que leve em conta tanto as bases biológicas quanto as dimensões sociais e culturais do comportamento humano. Eles apontam para a escassez de pesquisas brasileiras sobre o tema e sugerem a necessidade de maior investimento na investigação científica da mentira no contexto nacional. A compreensão mais aprofundada desse fenômeno pode contribuir para o aprimoramento de práticas educativas, jurídicas e terapêuticas, além de fomentar uma reflexão ética sobre os limites entre verdade, engano e convivência humana.
Referência:
MATIAS, Danilo Wágner de Souza; LEIME, Jamila Leão; BEZERRA, Carmem Walentina Amorim Gaudêncio; TORRO-ALVES, Nelson. Mentira: aspectos sociais e neurobiológicos. Psicologia: Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 31, n. 3, p. 345–352, jul./set. 2015.