O Que É o Amor?
24/05/2025

Por Raique Almeida
O grande poeta e sambista brasileiro Paulinho da Viola, um dos maiores nomes da música popular brasileira, possui um samba belíssimo em que se pergunta: “O que é o amor?”. Ele afirma que, se lhe perguntarem, não saberá responder, pois não sabe explicar. Contudo, reconhece que o amor nasce dentro de nós. Essa reflexão serve como introdução a uma discussão sobre um dos sentimentos mais importantes da experiência humana o amor.
Em tempos em que o desamor impera nas relações sociais, refletir sobre o amor assume um caráter de subversão e resistência. Muitas vezes, o amor é romantizado ou glamourizado em canções e comédias românticas, sendo tratado mais por sua ausência do que por sua presença. hooks (2021) propõe uma visão mais profunda e transformadora, que ultrapassa a idealização romântica e passa a encarar o amor como prática consciente, ética e estruturante.
Essa abordagem é reforçada por pensadores africanos e afro-diaspóricos como Sobonfu Somé, Orunmilá e Amen (do Kemet, Egito Antigo), que compreendem o amor como o afeto do equilíbrio aquele que proporciona harmonia, que nos impede de seguir caminhos destrutivos, como a implosão e a explosão afetiva. A implosão ocorre quando os sentimentos negativos, como raiva, medo e ansiedade, são reprimidos e internalizados, causando sofrimento psíquico. Já a explosão ocorre quando esses sentimentos são externalizados de forma violenta, prejudicando não apenas o sujeito, mas também os outros ao seu redor.
Esse desequilíbrio afetivo, muitas vezes presente em episódios de violência extrema, como ataques em massa, é resultado da ausência de regulação emocional. De acordo com estudos, esses eventos são majoritariamente perpetrados por jovens homens entre 15 e 29 anos, grupo frequentemente afetado por crises de identidade, isolamento e desequilíbrios afetivos. Nesse contexto, o amor surge como um elemento de equilíbrio e de reconfiguração emocional e social.
Analogamente ao conceito físico de equilíbrio térmico em que corpos com temperaturas distintas trocam calor até atingir uma temperatura comum, o afeto também busca equilíbrio. O amor, nesse sentido, atua como catalisador de estabilidade emocional, impedindo que sentimentos negativos nos levem à autodestruição ou à destruição do outro.
Diversas tradições religiosas, como o cristianismo, reconhecem o amor como força de redenção. Teólogos contemporâneos como Henrique Vieira, Ronilso Pacheco, Marcos de Oliveira e André Guimarães apresentam leituras cristãs que enfatizam o amor como acolhimento e cuidado, distantes das interpretações hegemônicas excludentes.
Encarar o amor como afeto regulador significa compreender que ele não nos isenta de sentimentos negativos, mas nos capacita a lidar com eles de forma construtiva, evitando que raiva se transforme em violência ou que frustração nos leve à desistência. O amor nos confere auto intimidade, ou seja, a capacidade de encarar e processar nossas dissonâncias internas.
Por isso, ensinar a amar talvez seja uma das tarefas mais importantes que temos enquanto sociedade. Isso inclui ensinar às crianças, aos jovens e aos adultos que o amor não se expressa através da violência. Se alguém afirma amar, mas agride, essa pessoa precisa realizar um exercício afetivo profundo para alinhar seu sentimento à sua prática.
Nesse sentido, o amor é revolucionário porque nos humaniza, nos coloca no eixo, nos transforma. Concordamos, portanto, que o amor é uma tarefa, um exercício político e ético fundamental para a transformação da sociedade.
Referência:
ELEFANTE. Tudo sobre o amor: novas perspectivas. Tradução de Ana Carolina Mesquita. São Paulo: Editora Elefante, 2021. (Obra original de bell hooks)
HOOKS, bell. Tudo sobre o amor: novas perspectivas. São Paulo: Editora Elefante, 2021.
PACHECO, Ronilso. Ocupar, resistir, subverter: igreja e teologia em tempos de violência, racismo e opressão. São Paulo: Novos Diálogos, 2016.
VIEIRA, Henrique. O amor como revolução. Rio de Janeiro: Objetiva, 2023.
OLIVEIRA, Marcos de. Teologia da libertação e amor político. São Paulo: Fonte Editorial, 2019.
SOMÉ, Sobonfu. Espírito da intimidade: ensinamentos africanos sobre relacionamentos. Tradução de Vera Martins. São Paulo: Ground, 2001.
SILVA, Silvan. Prefácio. In: HOOKS, bell. Tudo sobre o amor: novas perspectivas. São Paulo: Editora Elefante, 2021.