Alcoolismo em Pequenas Cidades do Interior do Brasil: Desafios Sociais e Barreiras ao Tratamento

09/08/2025

Alcoolismo em Pequenas Cidades do Interior do Brasil: Desafios Sociais e Barreiras ao Tratamento

Por Raique Almeida

            O alcoolismo, classificado como um transtorno por uso de substâncias, representa um dos principais problemas de saúde pública no Brasil, afetando não apenas a saúde física e mental do indivíduo, mas também a dinâmica social e econômica das comunidades. Nas pequenas cidades do interior, o fenômeno adquire características particulares, associadas a fatores culturais, econômicos e estruturais, que dificultam a prevenção e o tratamento. Segundo Lima e Souza (2020), o consumo de álcool em áreas rurais e cidades de pequeno porte está fortemente vinculado a práticas culturais enraizadas, onde o beber é socialmente aceito e, muitas vezes, incentivado em contextos festivos e religiosos.

            A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2018) estima que o álcool seja responsável por mais de 3 milhões de mortes por ano no mundo, e no Brasil, dados do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA, 2025) apontam que cerca de 18,3% da população apresenta padrões de consumo nocivo. Em municípios pequenos, a escassez de recursos assistenciais, a falta de equipes especializadas e a inexistência de políticas públicas efetivas para o tratamento agravam a situação. Além disso, conforme ressalta Ferreira. (2019), a proximidade entre os moradores e a forte influência das redes comunitárias contribuem para que casos de dependência sejam invisibilizados, devido ao estigma e ao medo de julgamento social.

            Outro aspecto relevante é a facilidade de acesso à bebida alcoólica, que, mesmo regulamentada por lei, é vendida livremente em estabelecimentos locais, muitas vezes sem controle sobre a venda para menores de idade. Em pequenas cidades, a fiscalização tende a ser mais branda, e o consumo de álcool pode ocorrer desde a adolescência, aumentando o risco de desenvolvimento precoce da dependência (Silva; Andrade, 2021). Essa situação é agravada por um contexto de poucas alternativas de lazer e de oportunidades de emprego, o que pode levar parte da população a utilizar o álcool como forma de enfrentamento do tédio, das dificuldades financeiras e de conflitos familiares.

            No campo da saúde, a dificuldade de acesso a serviços especializados leva muitos dependentes a permanecerem sem tratamento adequado. Mesmo quando há unidades básicas de saúde, os profissionais nem sempre possuem capacitação para lidar com transtornos relacionados ao uso de álcool. Para Lima (2022), a ausência de centros de atenção psicossocial especializados (CAPS AD) em muitos municípios pequenos do Brasil é um fator crítico para a continuidade e a efetividade do tratamento, uma vez que o deslocamento até cidades maiores representa um custo e um obstáculo para famílias de baixa renda.

            Nesse contexto, é essencial que políticas públicas voltadas à prevenção e tratamento do alcoolismo considerem as especificidades das pequenas cidades, com ações que incluam campanhas de conscientização, formação de profissionais de saúde e ampliação da rede de serviços especializados. A articulação entre escolas, igrejas, associações comunitárias e o sistema de saúde pode contribuir para romper o ciclo de naturalização do consumo excessivo de álcool e reduzir o estigma que cerca os dependentes. Como apontam Pereira e Gomes (2023), a eficácia das intervenções depende não apenas da estrutura disponível, mas também da mobilização social e do reconhecimento coletivo de que o alcoolismo é uma questão de saúde e não apenas um problema moral ou individual.

            Assim, compreender o alcoolismo nas pequenas cidades do interior do Brasil exige uma abordagem que una dimensões epidemiológicas, sociais e culturais. Somente por meio de estratégias integradas e sensíveis às realidades locais será possível reduzir o impacto do consumo nocivo de álcool e oferecer aos indivíduos e suas famílias um caminho efetivo de recuperação.

Referências

CISA – Centro de Informações sobre Saúde e Álcool. Prevalência do uso de álcool no Brasil. São Paulo, 2025. Disponível em: https://www.cisa.org.br. Acesso em: 5 ago. 2025.

FERREIRA, M. J. Estigma social e invisibilidade do dependente químico em comunidades rurais. Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 29, n. 4, p. 1-12, 2019.

LIMA, R. M.; SOUZA, T. F. Práticas culturais e uso de álcool em municípios de pequeno porte. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 25, n. 12, p. 4723-4732, 2020.

LIMA, R. M. A rede de atenção psicossocial e o desafio do tratamento do alcoolismo em cidades pequenas. Revista Brasileira de Saúde Mental, Brasília, v. 14, n. 2, p. 55-67, 2022.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Global status report on alcohol and health. Geneva: WHO, 2018.

PEREIRA, A. C.; GOMES, L. F. Estratégias comunitárias para prevenção do alcoolismo no interior do Brasil. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 47, n. 135, p. 890-902, 2023.

SILVA, E. P.; ANDRADE, M. R. Consumo precoce de álcool e vulnerabilidades em adolescentes do interior. Revista Adolescência & Saúde, Rio de Janeiro, v. 18, n. 3, p. 43-51, 2021.

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