Crianças em situação de rua, vulnerabilidade social e o retrato da exclusão em Capitães da Areia
14/09/2025

Por Raique Almeida
O romance Capitães da Areia, de Jorge Amado, publicado em 1937, constitui uma das obras mais emblemáticas da literatura brasileira ao abordar a vida de crianças e adolescentes em situação de rua na cidade de Salvador. A narrativa traz à tona o abandono, a marginalização e as estratégias de sobrevivência desses jovens, que encontram na coletividade uma forma de resistência diante de um contexto social marcado pela desigualdade. O livro não apenas retrata a realidade da época, mas também apresenta elementos que dialogam com o cenário contemporâneo, sobretudo quando se observa a associação entre vulnerabilidade social e o uso de drogas entre crianças e adolescentes em situação de rua.
A obra de Jorge Amado apresenta personagens como Pedro Bala, Professor, Gato e Sem-Pernas, cujas trajetórias revelam a busca por identidade e pertencimento em meio a uma sociedade que os rejeita. Segundo Candido (2000), a literatura é um reflexo crítico da realidade social, permitindo compreender os mecanismos de exclusão e resistência presentes em diferentes contextos históricos. Nesse sentido, Capitães da Areia evidencia como a ausência de políticas públicas eficazes e a negligência familiar empurram crianças para a marginalidade, fenômeno que ainda persiste no Brasil contemporâneo.
Atualmente, dados revelam que crianças e adolescentes em situação de rua estão mais expostos à violência, exploração sexual e ao consumo de substâncias psicoativas como álcool, crack e cola de sapateiro (RIZZINI; PILOTTI, 2009). Essa realidade se relaciona diretamente àquilo que Jorge Amado denunciava em sua obra: a precariedade das condições de vida e a criminalização da pobreza. O uso de drogas, nesse contexto, muitas vezes aparece como forma de anestesiar a dor, suportar a fome e lidar com o abandono, funcionando como mecanismo de sobrevivência frente à dura realidade.
A vulnerabilidade social, como aponta Sawaia (2002), não se restringe apenas à falta de recursos materiais, mas envolve a negação de direitos fundamentais, o estigma social e a fragilidade de vínculos afetivos e institucionais. No caso das crianças em situação de rua, a exclusão se traduz tanto na dificuldade de acesso à educação e saúde quanto na estigmatização que as empurra para um ciclo de violência e dependência química. Essa dinâmica já estava presente no romance de Jorge Amado, em que os meninos eram vistos como delinquentes pela sociedade e pelas instituições repressivas, mas invisíveis como sujeitos de direitos.
Portanto, a leitura de Capitães da Areia permanece atual e necessária, pois permite compreender as raízes históricas da exclusão social e refletir sobre os desafios ainda existentes no campo da infância e adolescência em situação de rua. A vulnerabilidade e o uso de drogas não podem ser analisados de forma isolada, mas como consequência de um contexto marcado pela pobreza, desigualdade e ausência de políticas públicas eficazes. Assim, a obra de Jorge Amado continua sendo uma denúncia literária e social, que convoca a sociedade a olhar para esses sujeitos com responsabilidade ética e compromisso político.
Referências
AMADO, Jorge. Capitães da Areia. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
CANDIDO, Antonio. A literatura e a formação do homem. São Paulo: Ática, 2000.
RIZZINI, Irene; PILOTTI, Francisco (org.). A arte de governar crianças: a história das políticas sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2009.
SAWAIA, Bader. As artimanhas da exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. Petrópolis: Vozes, 2002.