O Nono Passo do Alcoólicos Anônimos: Reparação, Reconciliação e Transformação Ética

22/08/2025

O Nono Passo do Alcoólicos Anônimos: Reparação, Reconciliação e Transformação Ética

Por Raique Almeida

 

            O Nono Passo dos Alcoólicos Anônimos (AA) é formulado da seguinte maneira: “Fizemos reparações diretas de tais danos sempre que possível, salvo quando fazê-lo pudesse prejudicar a eles ou a outrem” (ALCOÓLICOS ANÔNIMOS, 2001). Esse passo é a concretização prática do Oitavo, em que se fez a lista das pessoas prejudicadas. Aqui, o movimento exige uma ação efetiva, colocando o dependente em contato real com as consequências de seus atos e convidando-o à responsabilidade e à reconciliação.

            A reparação direta, proposta pelo Nono Passo, vai além de um pedido verbal de desculpas. Segundo Pechansky e Szobot (2002), a dependência química provoca danos múltiplos no âmbito familiar e social, de ordem emocional, material e espiritual. Nesse sentido, a reparação constitui não apenas uma restituição concreta, mas também um exercício ético, de reconstrução da confiança e de reinserção social. É uma prática que simboliza o amadurecimento do indivíduo em processo de recuperação, ao assumir-se como sujeito responsável pelas consequências de sua história.

            Sob a ótica psicológica, Carl Rogers (1997) afirma que o encontro humano se dá a partir da autenticidade e da congruência. O ato de reparar é congruente quando parte de uma postura sincera, livre de manipulações, sustentada pelo desejo genuíno de restaurar a dignidade do outro e a própria. Nesse processo, o dependente deixa de agir de modo egocêntrico e passa a reconhecer o outro como sujeito de direitos e de valor. Essa mudança de perspectiva é, em si, terapêutica.

            A espiritualidade, fundamental na filosofia dos 12 Passos, também ilumina o Nono Passo. Para Boff (2000), o cuidado e a compaixão são categorias éticas que sustentam as relações humanas. Reparar danos é, portanto, um ato de cuidado ampliado, que permite ao sujeito reatar laços comunitários e resgatar sua dignidade. A reconciliação, nesse contexto, transcende a relação interpessoal e alcança a dimensão espiritual, sendo vivida como libertação e renovação interior.

            Por outro lado, é importante destacar o discernimento previsto no passo: a reparação deve ser feita sempre que possível, salvo quando o ato puder causar novos prejuízos. Isso implica uma ética da prudência, pois nem toda reparação é viável ou saudável. Em alguns casos, a busca por reconciliação pode reabrir feridas ou provocar situações de risco, de modo que a prudência deve guiar o processo (ALCOÓLICOS ANÔNIMOS, 2001).

            O Nono Passo, portanto, não se resume a um gesto isolado de reparação, mas a um estilo de vida que coloca o indivíduo em um caminho de constante responsabilidade e transformação ética. Ao buscar a reconciliação, o membro do AA reconstrói laços rompidos e fortalece sua identidade em recuperação, tornando-se capaz de ressignificar o passado e projetar um futuro mais saudável, digno e solidário.

 

Referências

ALCOÓLICOS ANÔNIMOS. Os Doze Passos e as Doze Tradições. São Paulo: JUNAAB, 2001.

BOFF, Leonardo. Saber Cuidar: Ética do humano – compaixão pela Terra. Petrópolis: Vozes, 2000.

PECHANSKY, Flavio; SZOBOT, Claudia Maria. Impacto da dependência química na família e no indivíduo. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 24, supl. 1, p. 70-73, 2002.

ROGERS, Carl. Tornar-se Pessoa. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

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