O Primeiro Passo dos 12 Passos do AA: Reconhecimento e Rendição como Fundamentos da Recuperação

15/08/2025

O Primeiro Passo dos 12 Passos do AA: Reconhecimento e Rendição como Fundamentos da Recuperação

Por Raique Almeida

            O Primeiro Passo do programa de Alcoólicos Anônimos (AA) estabelece a base para todo o processo de recuperação "Admitimos que éramos impotentes perante o álcool que nossas vidas tinham se tornado ingovernáveis" (ALCOÓLICOS ANÔNIMOS, 2001, p. 21). Esse princípio não se limita a uma confissão verbal, mas implica um profundo reconhecimento da própria incapacidade de controlar o uso da substância e das consequências que tal comportamento provoca. Trata-se de uma etapa que exige honestidade radical e representa um marco na ruptura com o ciclo de negação, característico da dependência química (KURTZ, 1991).

            O reconhecimento da impotência não deve ser entendido como fraqueza moral, mas como uma constatação realista da perda de autonomia frente à compulsão. Segundo Peele (1998), a dependência química altera processos cognitivos e emocionais, reduzindo a capacidade de escolha consciente e favorecendo padrões repetitivos de consumo. Nesse sentido, admitir a impotência é, paradoxalmente, um ato de força, pois pressupõe coragem para encarar a realidade tal como ela é.

            O conceito de "ingovernabilidade" mencionado no Primeiro Passo abrange não apenas aspectos práticos da vida como emprego, finanças e relacionamentos mas também dimensões internas, como a instabilidade emocional e o esvaziamento espiritual. Carl Rogers (2001) destaca que mudanças profundas só ocorrem quando o indivíduo aceita a si mesmo plenamente, incluindo suas fragilidades, criando um estado de congruência que favorece a transformação. Assim, o Primeiro Passo não é apenas uma admissão de derrota frente ao álcool, mas a abertura para um processo de autoconhecimento e reconexão com valores essenciais.

            Do ponto de vista psicológico, a rendição proposta pelo Primeiro Passo quebra o isolamento típico da adicção. Ao compartilhar sua impotência em um grupo, o indivíduo vivencia a aceitação mútua e o apoio coletivo, elementos que fortalecem a motivação para seguir os passos seguintes. Brown (1985) observa que essa experiência grupal reestrutura a identidade do participante, permitindo que ele se perceba não apenas como "doente", mas como alguém em processo de recuperação.

            A abordagem dos 12 Passos, iniciada por Bill W. e Dr. Bob em 1935, permanece relevante por integrar dimensões psicológicas, sociais e espirituais no tratamento do alcoolismo. O Primeiro Passo, ao propor a admissão da impotência e a aceitação da ingovernabilidade, estabelece o alicerce para essa abordagem holística. Como afirma Boff (1997), reconhecer os limites humanos é o que abre espaço para o transcendente e para a construção de novas formas de viver.

            Em síntese, o Primeiro Passo é mais do que um início simbólico é a chave que destranca a porta da negação e conduz ao caminho da recuperação. Ao aceitar sua impotência e reconhecer a ingovernabilidade da vida sob o domínio do álcool, o indivíduo começa a resgatar a liberdade perdida, firmando o compromisso de transformar-se, com humildade e perseverança, ao longo de toda a jornada proposta pelos 12 Passos.

Referências

ALCOÓLICOS ANÔNIMOS. O Livro Azul: Alcoólicos Anônimos. 4. ed. São Paulo: JUNAAB, 2001.

BOFF, Leonardo. Saber Cuidar: Ética do humano – compaixão pela Terra. Petrópolis: Vozes, 1997.

BROWN, Stephanie. Treating the Alcoholic: A Developmental Model of Recovery. New York: John Wiley & Sons, 1985.

KURTZ, Ernest. Not-God: A History of Alcoholics Anonymous. Center City: Hazelden, 1991.

PEELE, Stanton. A Doença do Álcool: Mito ou Realidade? São Paulo: Summus, 1998.

ROGERS, Carl. Tornar-se Pessoa. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

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