O Segundo Passo dos 12 Passos do AA: Abertura à Esperança e ao Reencontro com o Sagrado
17/08/2025

Por Raique Almeida
O segundo passo dos 12 passos de Alcoólicos Anônimos (AA) constitui-se como um marco essencial no processo de recuperação, pois introduz a dimensão da esperança e da possibilidade de transformação interior. Esse passo é formulado como a crença de que “um Poder Superior a nós mesmos poderia devolver-nos à sanidade” (ALCOÓLICOS ANÔNIMOS, 2012). Mais do que uma simples expressão de fé, trata-se de um convite à abertura para o transcendente, ao reconhecimento dos próprios limites e à necessidade de apoio externo para restaurar a sobriedade.
A dependência química é caracterizada por um ciclo de compulsão e perda progressiva do controle, levando o indivíduo a um estado de isolamento e desespero (DUARTE, 2017). Nesse sentido, o segundo passo aparece como um contraponto ao fechamento egóico da doença, pois resgata a dimensão da confiança em algo maior que o próprio sujeito. Segundo Boff (2000), a espiritualidade é um eixo fundamental da existência humana, permitindo que o indivíduo se reconecte com a totalidade da vida e encontre sentido em meio às adversidades.
Do ponto de vista psicológico, essa abertura pode ser interpretada à luz da teoria humanista de Carl Rogers (2009), que destaca a importância da confiança em processos relacionais e na tendência atualizam-te do ser humano. Quando o adicto reconhece que sozinho não consegue lidar com a dependência, mas se permite confiar em um Poder Superior, abre espaço para a congruência e a reorganização interna. A esperança, nesse contexto, é um fator terapêutico fundamental, pois permite à pessoa vislumbrar um futuro diferente daquele imposto pela doença.
Além disso, o segundo passo rompe com a lógica da negação, tão comum no processo adictivo. De acordo com Gorski (2003), a negação é um dos mecanismos de defesa mais frequentes no alcoolismo, funcionando como uma barreira à mudança. Ao admitir a possibilidade de ser restaurado por algo além de si, o indivíduo enfraquece a rigidez da negação e dá o primeiro passo em direção à fé prática, que não se limita ao campo religioso, mas que se traduz na confiança no grupo, no processo terapêutico e no próprio percurso de recuperação.
Portanto, o segundo passo do AA não deve ser reduzido a um dogma religioso, mas compreendido como um movimento de abertura à espiritualidade, à esperança e ao reencontro consigo mesmo através de um Poder Superior. Ele representa a possibilidade de reconstruir a sanidade, entendida como um estado de equilíbrio psíquico, emocional e espiritual, em oposição ao caos produzido pela adicção. Nesse horizonte, o segundo passo torna-se não apenas um fundamento espiritual, mas também um recurso terapêutico de grande relevância para a superação da dependência química.
Referências
ALCOÓLICOS ANÔNIMOS. Os Doze Passos e as Doze Tradições. 9. ed. São Paulo: JUNAAB, 2012.
BOFF, Leonardo. Espiritualidade: um caminho de transformação. Rio de Janeiro: Sextante, 2000.
DUARTE, Leandro. Dependência química: clínica, diagnóstico e tratamento. São Paulo: Roca, 2017.
GORSKI, Terence T. O processo de recaída. São Paulo: Roca, 2003.
ROGERS, Carl. Tornar-se pessoa. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009.