O Sexto Passo do AA: Prontidão para a Transformação Interior

20/08/2025

O Sexto Passo do AA: Prontidão para a Transformação Interior

Por Raique Almeida

 

            O sexto passo de Alcoólicos Anônimos (AA) afirma: “Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses defeitos de caráter” (AA, 2001, p. 72). Este passo marca um ponto de virada na trajetória de recuperação, pois não trata apenas da abstinência em relação ao álcool ou a outras substâncias, mas de um movimento mais profundo: a disposição para transformar traços da personalidade que sustentaram a dependência.

            Segundo Vasconcelos (2005), a dependência química é atravessada por padrões de comportamento que se repetem de forma compulsiva e que envolvem dificuldades emocionais, relações interpessoais fragilizadas e estratégias de enfrentamento pouco saudáveis. Nesse sentido, o sexto passo não é apenas um convite à fé, mas também à autocrítica construtiva e ao desenvolvimento da consciência de que a mudança é necessária para sustentar a sobriedade.

            Do ponto de vista espiritual, Jung (1961) já destacava que o enfrentamento do alcoolismo não poderia se restringir à racionalidade, mas precisava incluir uma dimensão de transcendência. O sexto passo dialoga com essa ideia, ao propor uma entrega a um poder superior, entendido de forma plural pelos membros do AA, como Deus, espiritualidade ou mesmo a força coletiva do grupo. Essa entrega representa uma abertura para que o indivíduo reconheça que não pode, sozinho, lidar com todos os seus defeitos de caráter.

            No campo psicológico, Carl Rogers (1997) aponta que mudanças significativas só acontecem quando a pessoa aceita sua condição atual e se mostra aberta à experiência. A prontidão para que os defeitos sejam removidos reflete esse movimento: não é um ato passivo, mas uma escolha consciente de abandonar padrões que já não servem à vida saudável. É um exercício de humildade, aceitação e coragem diante da própria vulnerabilidade.

            Além disso, o sexto passo tem uma dimensão social. Como ressalta Narciso (2018), a recuperação não se dá isoladamente, mas na interação com o outro. Reconhecer e se dispor a mudar os defeitos de caráter impacta diretamente as relações familiares, de amizade e de trabalho, fortalecendo laços e reconstruindo a confiança.

            Assim, o sexto passo pode ser compreendido como um momento de preparação ativa para a mudança, em que o dependente químico reconhece suas limitações, abre-se para a espiritualidade e para o apoio do coletivo, e se compromete com um processo de transformação contínua. Essa etapa sustenta os próximos passos do programa, pois consolida a disposição necessária para um viver sóbrio, ético e equilibrado.

 

Referências

ALCOÓLICOS ANÔNIMOS. Os Doze Passos e as Doze Tradições. São Paulo: JUNAAB, 2001.

JUNG, C. G. Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1961.

NARCISO, F. Clínica da Subjetividade: Dependência Química e Processos de Mudança. São Paulo: Cortez, 2018.

ROGERS, C. Tornar-se Pessoa. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

VASCONCELOS, E. M. Complexidade e Pesquisa Interdisciplinar: Epistemologia e Metodologia Operacional. Petrópolis: Vozes, 2005.

Blog

Informações sobre prevenção, tratamento e recuperação da dependência química e alcoolismo

Este site usa cookies do Google para fornecer serviços e analisar tráfego.Saiba mais.