A Ilusão do Controle e a Necessidade de Confronto na Adicção
08/06/2025

Por Raique Almeida
A pessoa em situação de dependência química geralmente só começa a considerar a possibilidade de mudança quando percebe que suas estratégias habituais já não funcionam mais. Para que esse processo de mudança ocorra, é fundamental desconstruir certos paradigmas que mantêm o indivíduo preso à sua conduta adictiva.
Um dos principais obstáculos é a crença de que "está tudo bem" e que o uso está sob controle. É essencial confrontar esse discurso de maneira assertiva, ou seja, sem agressividade, mas também sem passividade. A assertividade consiste em expressar-se com clareza, respeito e firmeza. Quando o adicto afirma que está bem, é necessário apresentar questionamentos objetivos que o façam refletir sobre sua real condição. Por exemplo se está bem, por que não consegue manter um emprego estável? Por que sua saúde está comprometida? Por que há conflitos frequentes com familiares? Além disso, se realmente controla o uso, por que não aceita realizar testes toxicológicos regularmente? Tais questionamentos ajudam a abalar a falsa percepção de controle.
Outro paradigma que precisa ser desmontado é a ideia de que a substância ou o comportamento adictivo funciona como uma válvula de escape emocional. Muitos acreditam que só conseguem lidar com emoções como tristeza, estresse ou angústia quando estão sob efeito de alguma substância. Por isso, é importante que a família proporcione momentos de expressão emocional chorar, rir, conversar sem o uso de drogas. Essas vivências demonstram que é possível sentir e lidar com emoções de forma natural e saudável. A dependência emocional da substância precisa ser substituída pela capacidade de enfrentamento da realidade.
Além disso, é imprescindível deixar claro que os familiares não permanecerão eternamente à espera de uma mudança. Medidas firmes precisam ser tomadas, como a suspensão de privilégios e ajudas financeiras, caso o adicto não se comprometa com o tratamento. Ao perceber que as pessoas ao redor estão verdadeiramente decididas a não mais sustentar sua conduta, o adicto começa a considerar a necessidade de mudança. O rompimento de vínculos não deve ser interpretado como abandono, mas sim como um ato de amor responsável, que visa provocar o despertar da consciência.
Muitos adictos tentam manipular seus familiares, buscando convencê-los de que sua escolha é inofensiva ou até benéfica. No entanto, cabe à família assumir uma posição firme e coerente ou a pessoa escolhe a substância, ou escolhe sua família. É um momento decisivo que exige maturidade e responsabilidade por parte do adicto. Em muitos casos, ele optará inicialmente pela adicção, mas quando o apoio emocional, financeiro e afetivo começa a desaparecer, a motivação para a mudança emerge.
É necessário coragem para atravessar o "deserto" da dor e da distância, mas essa pode ser a única forma de proporcionar ao adicto a chance real de transformação. Com fé, convicção e preparo, é possível enfrentar essa jornada e contribuir efetivamente para a recuperação. Afinal, o verdadeiro cuidado exige limites e a disposição de permitir que o outro enfrente as consequências de suas escolhas, para que, enfim, possa optar pela vida e pela liberdade.
Referências:
DIAS, Letícia de Oliveira; NAPPO, Solange Aparecida. Tratamento da dependência de drogas: o papel da família segundo a percepção de dependentes em recuperação. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 1025–1032, 2015.
FERRI, Carla Pereira; SOUZA, Juliana Magnabosco Marquezini de. A dependência química na perspectiva da família: dificuldades e enfrentamentos. Psicologia: Teoria e Prática, São Paulo, v. 17, n. 1, p. 55–68, 2015.
OLIVEIRA, Maria Auxiliadora; ARAÚJO, Telma Elias de. A família e o dependente químico: limites e possibilidades de intervenção. Revista de Psicologia da IMED, Passo Fundo, v. 8, n. 2, p. 125–134, 2016.
BORTOLAI, Cristiane; FERREIRA, Tânia Mara Galli. O papel da família no tratamento de dependentes químicos: uma revisão de literatura. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, v. 13, n. 2, p. 71–77, 2017.