“Abra a felicidade”? Implicações para o vício alimentar
12/05/2025

Por Ana Lydia Sawaya e Andrea Filgueiras
O artigo investiga como os comportamentos alimentares compulsivos estão relacionados ao vício alimentar e aos processos neurobiológicos que os sustentam. As autoras começam destacando o aumento global da obesidade, que afeta cerca de dois bilhões de pessoas no mundo, incluindo crianças e adolescentes. Elas ressaltam que a obesidade é uma condição multicausal, influenciada por fatores genéticos, sociais e culturais, mas com grande ênfase no ambiente obesogênico. Este ambiente é dominado pela presença de alimentos altamente calóricos e pela promoção constante de produtos alimentícios processados, ricos em gorduras, açúcares e sal.
O artigo explora como a indústria alimentícia utiliza estratégias sofisticadas de marketing para seduzir os consumidores. Alimentos com sabores agradáveis e embalagens atraentes são projetados para maximizar o prazer e a recompensa. As propagandas frequentemente associam esses alimentos a momentos de prazer, o que fortalece a ideia de que comer esses produtos resulta em felicidade imediata. Esses alimentos, embora pouco nutritivos, ativam circuitos cerebrais relacionados ao prazer, levando os indivíduos a desenvolverem uma espécie de vício alimentar. O artigo também discute como o sabor doce, salgado e gorduroso de muitos desses alimentos pode criar um ciclo vicioso de busca incessante por prazer, em um comportamento semelhante ao vício por substâncias como drogas e álcool.
A neurociência é um dos pilares do artigo, pois as autoras investigam os mecanismos cerebrais envolvidos no prazer e na recompensa. Elas explicam como o núcleo accumbens, uma área chave do cérebro, está relacionado à sensação de prazer ("gostar"), enquanto a dopamina, neurotransmissor associado ao desejo ("querer"), está envolvida no comportamento aditivo. Quando consumimos alimentos ricos em açúcar e gordura, esses centros cerebrais são ativados, criando um ciclo de prazer e desejo que estimula o consumo contínuo desses produtos. O vício alimentar, portanto, não é apenas um hábito, mas um comportamento compulsivo que se instala devido a uma resposta neurobiológica que envolve o prazer imediato, mas também uma busca constante por mais para manter esse nível de satisfação.
Além disso, o artigo propõe o Modelo Transteórico de Mudança Comportamental como uma abordagem eficaz para lidar com o vício alimentar. Esse modelo é baseado na ideia de que as pessoas passam por diferentes estágios de mudança, desde a conscientização sobre a necessidade de modificar comportamentos até a implementação de ações concretas para alterar hábitos alimentares. Ao aplicar esse modelo ao vício alimentar, é possível desenvolver intervenções personalizadas para os indivíduos, considerando o estágio em que se encontram em relação à mudança de comportamento.
No entanto, as autoras afirmam que as intervenções não devem ser limitadas ao indivíduo. É fundamental que haja um esforço coletivo, envolvendo políticas públicas, a indústria alimentícia e a sociedade, para modificar o ambiente alimentar e promover escolhas mais saudáveis. Elas sugerem que a regulamentação da propaganda de alimentos, especialmente voltada para o público infantil, e a implementação de programas educacionais sobre nutrição nas escolas e na mídia são essenciais para combater o vício alimentar e a obesidade. As autoras também defendem a criação de um ambiente que favoreça o consumo de alimentos saudáveis e, assim, promova uma alimentação equilibrada, que seja mais acessível e desejável para a população.
O artigo conclui que a luta contra o vício alimentar não deve se concentrar apenas em mudanças comportamentais individuais, mas também em uma transformação estrutural no ambiente alimentar. As políticas públicas, a conscientização social e a atuação da indústria alimentícia desempenham papéis cruciais nesse processo. Para as autoras, é necessário um esforço coletivo para reverter os padrões alimentares prejudiciais e promover uma alimentação que não apenas satisfaça as necessidades nutricionais, mas também favoreça o bem-estar físico e mental da população. Assim, o combate ao vício alimentar envolve tanto a reeducação alimentar quanto uma reestruturação mais ampla do ambiente social e cultural relacionado ao consumo de alimentos.