Adicção e Câncer: Paralelos Biológicos, Riscos de Recaída e a Necessidade de um Tratamento Integral

09/07/2025

Adicção e Câncer: Paralelos Biológicos, Riscos de Recaída e a Necessidade de um Tratamento Integral

Por Raique Almeida

            A adicção, frequentemente negligenciada em sua gravidade, apresenta características profundamente similares ao câncer, especialmente quando observada sob uma perspectiva clínica e neurocientífica. A compreensão desses paralelos pode contribuir para uma abordagem mais eficaz e humanizada no tratamento do adicto, reconhecendo a complexidade do quadro e a necessidade de intervenções contínuas e integradas.

            Tanto o câncer quanto a adicção possuem uma base biológica e genética. Há evidências que demonstram predisposições hereditárias significativas, sendo comum que indivíduos com histórico familiar de adicção apresentem maior vulnerabilidade ao desenvolvimento de condutas de dependência. Essa vulnerabilidade está relacionada a alterações específicas no sistema dopaminérgico, especialmente no receptor D2, que afeta diretamente o processamento do prazer e da recompensa no cérebro. Assim como ocorre com o câncer, em que mutações genéticas elevam o risco de manifestação da doença, o adicto pode herdar uma maior sensibilidade às substâncias psicoativas, comprometendo sua capacidade de resistência ao uso.

            Outro ponto de convergência entre essas duas patologias é a alta taxa de recaídas. No caso do câncer, sabe-se que a ausência de mudanças no estilo de vida como alimentação inadequada, sedentarismo e falta de cuidados preventivos pode reativar a doença mesmo após um tratamento eficaz. De modo similar, o adicto está sujeito a recaídas constantes quando não há modificação significativa em seus hábitos emocionais, comportamentais e relacionais. A má gestão do estresse, a dificuldade em lidar com frustrações, a ausência de suporte afetivo e a exposição a estímulos condicionados são fatores determinantes para o retorno à conduta da dependência química.

            A neurobiologia da adicção indica que o cérebro do adicto aprende a associar o alívio do estresse ao consumo da substância ou comportamento, criando um ciclo de dependência reforçado biologicamente. Nesse contexto, a busca pela dopamina torna-se uma tentativa desregulada de regulação emocional, levando à repetição compulsiva do uso. Para que a recuperação ocorra de forma consistente, é necessário promover não apenas a abstinência, mas também a reorganização do sistema psíquico e afetivo do adicto.

            Por fim, destaca-se que ambas as condições demandam um tratamento integral, contínuo e interdisciplinar. No caso do adicto, é essencial que a intervenção envolva áreas como a psicologia, a psiquiatria, o serviço social, a terapia familiar, além de grupos de apoio e ações voltadas ao desenvolvimento de novos projetos de vida. A adicção não pode ser enfrentada apenas com medidas isoladas ou pontuais, mas sim com uma rede de cuidado que reconheça o sofrimento subjetivo do adicto e promova transformações estruturais em sua vida.

            Assim como o câncer, a adicção pode ser fatal se não for adequadamente tratada. A negligência quanto à sua complexidade e cronicidade compromete não apenas a saúde física e mental do adicto, mas também a estabilidade familiar e social ao seu redor. A recusa ao cuidado, o negacionismo e a resistência ao tratamento tornam o processo ainda mais árduo. Por esse motivo, é urgente que se reconheça a adicção como uma doença grave, com implicações profundas, e que se promova a responsabilização terapêutica com base na ciência e na empatia.

Referências:

BRASIL. Ministério da Saúde. Diretrizes do cuidado às pessoas com problemas relacionados ao uso de álcool e outras drogas. Brasília: Ministério da Saúde, 2013.

DIAS, André Luiz Quagliato; TAVARES, Hermano. O Cérebro do Dependente Químico: da biologia à espiritualidade. São Paulo: Artmed, 2019.

DUARTE, Priscila. A dependência química como uma doença cerebral crônica: implicações para o tratamento e a prevenção de recaídas. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, v. 11, n. 2, p. 92–98, 2015.

SILVA, Eliane Ramos da; CARVALHO, Ana Raquel Rosas. Tratamento da dependência química: uma revisão integrativa da literatura. Revista de Enfermagem UFPE, v. 9, n. 8, p. 9016-9023, 2015.

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