O Perfil de Mães que, Inconscientemente, Sabotam a Recuperação dos Filhos adictos
11/07/2025

Por Raique Almeida
É doloroso reconhecer que, em certos contextos familiares, especialmente no âmbito da dependência química, algumas mães podem agir de maneira contraditória ao desejo declarado de ver seus filhos livres do vício. Embora verbalmente afirmem querer a recuperação, suas ações, muitas vezes inconscientes, podem sabotar esse processo. A dependência não é apenas do filho com a substância, mas também da mãe com a função de cuidadora do adicto. Nesse cenário, o vício se transforma numa engrenagem disfuncional que sustenta relações marcadas por controle, culpa e sobrecarga emocional.
Um dos comportamentos mais comuns nesse perfil de mães é a valorização de pequenos e momentâneos sinais de mudança, que não têm sustentação em um processo terapêutico consistente. Um dia sem consumo ou um gesto afetivo, como um presente no Dia das Mães, pode ser interpretado como um sinal inequívoco de transformação. Essa leitura equivocada demonstra a carência afetiva e o desejo de acreditar em uma melhora rápida, ignorando que a recuperação exige tempo, disciplina e acompanhamento profissional. Estudos mostram que a manipulação emocional por parte do adicto é uma estratégia recorrente, muitas vezes reforçada por esse tipo de reforço positivo inadequado (BORTOLANZA; KESSLER, 2020).
Outro traço relevante é a desistência precoce diante das recaídas ou das dificuldades do processo de tratamento. Muitas mães, após sucessivas frustrações, entram em um processo de normalização do consumo, relativizando os danos. Passam a justificar o uso com frases como “pelo menos não rouba” ou “não é tão grave”. Essa atitude, além de contribuir para a manutenção da dependência, reflete um esgotamento emocional e a internalização de crenças sociais permissivas em relação ao uso de substâncias (COSTA; SOARES, 2018).
Há ainda um terceiro aspecto mais complexo e sensível algumas mães estruturaram sua vida em torno do papel de cuidadoras do filho adicto. Toda sua rotina, identidade e propósito giram em torno dessa dinâmica. O temor de que a recuperação do filho a deixe sem função pode operar como um obstáculo inconsciente à melhora do quadro. A falta de um projeto pessoal, de metas e sonhos individuais, impede que essas mães apoiem de forma genuína e eficaz o processo de recuperação. A literatura sobre co-dependência familiar destaca essa relação simbiótica como um fator crítico na manutenção da adicção (FREIRE; CUNHA, 2021).
Dessa forma, é fundamental que essas mães possam acessar um espaço de escuta e reflexão sobre sua própria vida, compreendendo que apoiar a recuperação do filho passa, necessariamente, pela construção de autonomia emocional e de uma vida que não gire exclusivamente em torno da doença do outro. A codependência precisa ser reconhecida e tratada, pois a saúde do sistema familiar é parte imprescindível da superação da dependência química. Como destacam Oliveira e Barros (2019), a mudança no núcleo familiar é determinante para a eficácia dos tratamentos, especialmente quando envolve figuras maternas com vínculos excessivamente fusionais.
Assim, a libertação do filho do vício passa também pela libertação da mãe de uma identidade exclusivamente ligada ao sofrimento e à função de cuidadora. Somente quando essa mãe reencontra seu próprio caminho é que poderá contribuir de forma saudável, consciente e duradoura para a recuperação de quem ama.
Referências:
BORTOLANZA, R.; KESSLER, F. Família e dependência química: desafios e possibilidades na recuperação. Revista Brasileira de Psicologia, v. 10, n. 2, p. 25-38, 2020.
COSTA, M. A.; SOARES, M. C. S. A naturalização do uso de drogas na família: uma análise psicossocial. Psicologia em Foco, v. 12, n. 1, p. 49-62, 2018.
FREIRE, M. M.; CUNHA, G. R. Codependência e vínculo familiar na drogadição: um estudo com mães. Cadernos de Terapia Familiar, v. 17, p. 89-105, 2021.
OLIVEIRA, D. R.; BARROS, J. A. A participação da família nos processos terapêuticos em dependência química. Revista Psicologia em Ação, v. 15, n. 3, p. 77-91, 2019.