Alienação Parental e Dependência Química: Os Impactos na Relação entre o Pai/Mãe Adicto e os Filhos
20/07/2025

Por Raique Almeida
A alienação parental consiste em um conjunto de práticas realizadas por um dos genitores, ou por quem exerça autoridade sobre a criança ou adolescente, com o intuito de afastá-lo do outro responsável, criando barreiras emocionais e cognitivas que comprometem o vínculo familiar. Quando o genitor alienado é também um dependente químico, a situação se agrava, pois o estigma social associado ao uso de substâncias é utilizado como justificativa para desqualificá-lo enquanto figura parental, muitas vezes sem uma avaliação criteriosa de sua real condição psicológica e funcional.
É comum que o dependente químico enfrente múltiplas vulnerabilidades, incluindo instabilidade emocional, exclusão social e dificuldade de acesso a tratamento adequado. No contexto de disputas judiciais ou conflitos familiares, essas fragilidades podem ser manipuladas para sustentar narrativas que o retratam como incapaz de exercer a parentalidade de forma responsável. Tal processo não considera, muitas vezes, os esforços do genitor em recuperação e desconsidera os danos psíquicos causados à criança pela ausência de contato afetivo com esse responsável.
A literatura aponta que o vínculo parental, mesmo diante de adversidades como a dependência química, pode ser resgatado e fortalecido mediante suporte terapêutico e programas de reinserção familiar. No entanto, a alienação parental interrompe essa possibilidade ao influenciar negativamente a percepção da criança sobre o genitor, induzindo sentimentos de medo, rejeição ou desprezo. Esse afastamento não se baseia apenas em comportamentos objetivos do dependente, mas na construção subjetiva alimentada pelo discurso do outro responsável, o que caracteriza a alienação parental como uma forma de violência psicológica.
Além disso, a alienação parental pode dificultar a adesão do dependente químico ao processo de recuperação. O rompimento do vínculo com os filhos representa um fator de sofrimento emocional intenso, que pode funcionar como gatilho para recaídas. A exclusão do ambiente familiar também limita os estímulos positivos necessários para a construção de um novo projeto de vida, reduzindo as chances de sucesso no tratamento e perpetuando o ciclo da marginalização. Por outro lado, a presença dos filhos e a reconstrução do papel de pai ou mãe são frequentemente citados como motivações significativas para a continuidade da abstinência.
Portanto, é essencial que as instituições jurídicas e psicossociais adotem uma abordagem mais sensível e humanizada, evitando decisões baseadas exclusivamente no preconceito contra a dependência química. A avaliação da capacidade parental deve considerar a singularidade de cada caso, priorizando o bem-estar da criança sem negar a possibilidade de reabilitação do genitor. A ruptura dos laços parentais por meio da alienação não apenas fere o direito da criança à convivência familiar, como também compromete as chances de reintegração do dependente ao convívio social e afetivo.
Em suma, a alienação parental no contexto da dependência química configura uma dinâmica complexa e muitas vezes invisibilizada, que exige uma atuação ética, multidisciplinar e comprometida com a proteção integral de todos os envolvidos. A promoção do vínculo entre pais e filhos, mesmo em contextos adversos, deve ser compreendida como parte integrante do processo de cuidado e reabilitação, e não como um privilégio que pode ser negado com base em julgamentos morais.
Referências
BRASIL. Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010. Dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 1, 27 ago. 2010.
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COSTA, Rafael Dias da. A droga e a exclusão: a dependência química e os vínculos familiares. Psicologia em Revista, v. 23, n. 2, p. 452-469, 2017.
FONSECA, Laís Dias da. Alienação parental: aspectos jurídicos e psicológicos. Revista do Direito, Santa Cruz do Sul, n. 60, p. 227-244, jan./abr. 2020.
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KNOBEL, Marcelo. Drogas, exclusão e juventude: desafios para o cuidado. Cadernos de Saúde Pública, v. 26, n. 6, p. 1123-1130, 2010.