As vivências na rua que interferem na saúde: perspectiva da população em situação de rua
30/06/2025

Por Raique Almeida
O artigo aborda de maneira crítica e sensível as condições de vida da população em situação de rua, evidenciando como essas experiências cotidianas impactam diretamente a saúde física, mental e emocional desse grupo. A pesquisa foi realizada por meio de entrevistas com pessoas em situação de rua, utilizando uma abordagem qualitativa que valorizou os relatos subjetivos dos participantes, de forma a compreender as dinâmicas sociais e institucionais que moldam suas trajetórias e percepções sobre saúde e adoecimento.
O estudo identifica que as ruas são espaços marcados por intensas vulnerabilidades, onde as pessoas estão expostas a violências físicas e simbólicas, insegurança alimentar, ausência de abrigo digno, falta de acesso regular à água potável, higiene pessoal e cuidados básicos de saúde. Tais fatores se tornam agravantes no quadro de adoecimento crônico e de sofrimento psíquico, levando a um ciclo contínuo de exclusão, marginalização e invisibilidade. A desconfiança em relação aos serviços públicos, sobretudo na área da saúde, é um dos pontos centrais apontados pelos autores, sendo consequência de experiências anteriores negativas, do preconceito institucional e do atendimento desumanizado por parte de profissionais despreparados para lidar com a complexidade dessa população.
Outro aspecto relevante destacado no artigo é a forma como a população em situação de rua ressignifica a noção de saúde. Para muitos, estar saudável é conseguir sobreviver ao cotidiano das ruas, manter-se em movimento e evitar internações ou contatos excessivos com instituições. Essa percepção evidencia a dissociação entre o modelo biomédico tradicional e as experiências reais desses sujeitos, que vivem à margem dos sistemas formais de cuidado. As estratégias de sobrevivência utilizadas por essas pessoas, muitas vezes invisibilizadas pelas políticas públicas, revelam um saber prático e uma resistência que também deveriam ser reconhecidas como formas legítimas de cuidado e saúde.
Os autores apontam para a necessidade de políticas públicas intersetoriais que compreendam a saúde da população em situação de rua para além do acesso pontual aos serviços. É fundamental a construção de estratégias de cuidado que levem em conta o território, a escuta qualificada, o vínculo e o respeito à autonomia dos sujeitos. O artigo propõe uma reflexão crítica sobre os limites da atuação estatal, defendendo a urgência de um modelo de atenção mais humanizado e contextualizado, que dialogue com as experiências concretas dessa população e promova efetivamente o direito à saúde como um princípio universal, equânime e integral, conforme previsto pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Dessa forma, a pesquisa contribui significativamente para o campo da saúde coletiva ao trazer a voz dos sujeitos historicamente silenciados, propondo uma escuta ativa e um olhar ampliado sobre os determinantes sociais da saúde em contextos de extrema vulnerabilidade social.
Referência:
VALLE, Fabiana Aparecida Almeida Lawall; FARAH, Beatriz Francisco; CARNEIRO JUNIOR, Nivaldo. As vivências na rua que interferem na saúde: perspectiva da população em situação de rua. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 44, n. 124, p. 182–195, jan./mar. 2020.