Baladas, Cigarros e Rivotril: A Cultura do Consumo Recreativo de Drogas nas Noites da Classe Média
21/07/2025

Por Raique Almeida
O consumo de drogas no Brasil tem sido historicamente associado à marginalização, pobreza e criminalidade. No entanto, o uso recreativo de substâncias psicoativas entre jovens da classe média urbana revela outra realidade: uma cultura de uso socialmente aceita, muitas vezes invisibilizada ou normalizada por seu contexto de privilégio. Em festas, baladas, festivais de música e encontros sociais, substâncias como álcool, cigarro, maconha, LSD, MDMA, e até medicamentos controlados como o Rivotril, são consumidas como parte do "entretenimento de fim de semana".
Segundo Becker (2008), o uso de drogas deve ser compreendido dentro de uma estrutura social de significados, em que o consumo passa a ser um rito de pertencimento. Nesse sentido, o uso não é apenas químico, mas simbólico: ele demarca status, estilo de vida e adesão a uma determinada estética da juventude urbana. Para jovens da classe média, o consumo de substâncias como o Rivotril, embora seja um ansiolítico controlado, assume um lugar semelhante ao das drogas recreativas, promovendo uma "desconexão relaxada" do estresse cotidiano.
Boiteux (2006) chama atenção para a seletividade penal nas políticas de drogas no Brasil, observando que o consumo entre as elites e a classe média dificilmente é criminalizado, ao contrário do que ocorre nas periferias. Isso colabora para que o uso recreativo de drogas em espaços urbanos da classe média seja tratado como "fase da juventude" ou “excesso episódico”, reforçando um duplo padrão de controle social.
Além disso, Bauman (2001) nos ajuda a entender o papel da liquidez nas relações sociais contemporâneas, nas quais o consumo inclusive de drogas é fluido, descartável e voltado ao prazer imediato. Nesse cenário, o consumo recreativo surge como uma forma de lidar com o vazio, o tédio ou a pressão por desempenho vivida por jovens em contextos altamente competitivos, como universidades e o mercado de trabalho.
A medicalização da juventude, apontada por Ortega e Zorzanelli (2010), também contribui para esse cenário, em que medicamentos como Rivotril, originalmente voltados para tratamento de transtornos psíquicos, são apropriados para fins não terapêuticos, como dormir melhor após o uso de drogas ou equilibrar estados emocionais após o consumo excessivo de álcool e estimulantes.
Dessa forma, é preciso desnaturalizar o consumo recreativo de drogas na classe média jovem e entender que ele não se dá à parte de contextos sociais, econômicos e culturais. Ao invisibilizarmos essas práticas, reforçamos estigmas seletivos e negligenciamos os riscos físicos, psíquicos e sociais vividos por uma parcela significativa da juventude brasileira.
Referências
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
BECKER, Howard S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
BOITEUX, Luciana. Da guerra às drogas à política de drogas: a ineficácia da criminalização. Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 64, 2006.
ORTEGA, Francisco; ZORZANELLI, Roberta. A medicalização do sofrimento psíquico: o antidepressivo como dispositivo. Physis, Rio de Janeiro, v. 20, n. 1, p. 65-83, 2010.