Café como um Vício e Compulsão: Um Olhar sobre o Consumo Excessivo de Cafeína
23/07/2025

Por Raique Almeida
O café é uma das bebidas mais consumidas no mundo, sendo amplamente aceito cultural e socialmente. No entanto, seu uso excessivo pode apresentar características compatíveis com comportamentos de vício e compulsão. A principal substância psicoativa presente no café é a cafeína, um estimulante do sistema nervoso central que, quando consumido em altas doses, pode causar dependência física e psicológica. Apesar de seus efeitos positivos moderados, como aumento do estado de alerta e melhora no desempenho cognitivo, a cafeína, quando ingerida em demasia, está associada a sintomas de abstinência, como dores de cabeça, irritabilidade, fadiga e dificuldade de concentração.
A compulsão pelo café pode ser entendida como um comportamento repetitivo e difícil de controlar, mesmo diante de consequências negativas. O consumo constante e a necessidade crescente da substância para atingir os mesmos efeitos iniciais caracterizam o desenvolvimento da tolerância, uma das etapas da dependência. Segundo Bessa e Souza (2019), há uma tendência crescente de banalização do consumo da cafeína, especialmente entre jovens adultos, o que dificulta o reconhecimento do seu uso abusivo como um problema real. Ainda que o café não cause, em geral, prejuízos sociais e familiares comparáveis a drogas mais potentes, seu uso compulsivo compromete o bem-estar, interfere na qualidade do sono, provoca ansiedade e pode agravar quadros depressivos.
Do ponto de vista neurobiológico, a cafeína atua como antagonista dos receptores de adenosina, promovendo um aumento temporário da atividade neuronal e da liberação de neurotransmissores como dopamina e norepinefrina. Esses mecanismos estão relacionados ao reforço positivo que favorece o uso recorrente. Estudos recentes sugerem que, em indivíduos vulneráveis, a cafeína pode desencadear um ciclo de dependência semelhante ao observado com outras substâncias psicoativas, embora em menor grau. Dessa forma, é fundamental diferenciar o consumo moderado do uso compulsivo, que se caracteriza pela incapacidade de reduzir a ingestão mesmo diante de prejuízos físicos ou emocionais.
Apesar de seu consumo ser considerado seguro em doses moderadas cerca de 400 mg por dia para adultos saudáveis, segundo a Organização Mundial da Saúde, é preciso considerar os aspectos individuais e contextuais do uso. Pessoas com transtornos de ansiedade, insônia, doenças cardiovasculares ou tendência à compulsividade podem apresentar maior risco de desenvolver dependência à cafeína. A abordagem terapêutica do consumo compulsivo de café deve envolver estratégias de psicoeducação, redução gradual da dose e, em alguns casos, acompanhamento psicológico ou psiquiátrico.
O café, portanto, transcende sua função de bebida estimulante e socialmente valorizada, configurando-se, em alguns casos, como uma substância que desperta comportamento compulsivo e características de dependência. Esse fenômeno deve ser reconhecido e discutido à luz da saúde pública e da psicologia, considerando os impactos do consumo abusivo sobre o equilíbrio emocional, físico e social dos indivíduos.
Referências
BESSA, Maria Luiza; SOUZA, Camila Andrade. Cafeína e comportamento: aspectos neurobiológicos e psicológicos do consumo. Revista de Psicologia e Neurociência, v. 15, n. 2, p. 77-89, 2019.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Directives on caffeine consumption. Genebra: OMS, 2020.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSIQUIATRIA. Transtornos relacionados ao uso de substâncias psicoativas. São Paulo: ABP, 2021.