Cérebro, Substâncias e Emoções: O Impacto da Dependência Química
13/04/2025

Por Raique Almeida
A dependência química é, antes de tudo, uma doença do cérebro. Embora historicamente não tenha sido vista dessa forma, há cerca de 40 anos a ciência já reconhece e comprova que se trata, sim, de uma condição cerebral. Quando uma pessoa começa a ingerir uma substância química, essa substância interfere no funcionamento do cérebro e modifica sua estrutura de tal maneira que o indivíduo passa a desejá-la incessantemente, em razão de uma carência física e química provocada por ela.
Apesar de a comunidade científica já estar ciente disso há muito tempo, grande parte da população ainda carrega uma visão antiquada atrasada em quase 70 anos que considera a dependência química como uma falha de caráter, um problema moral ou apenas um transtorno psicológico. A verdade é que se trata de uma doença séria, que deve ser tratada com a mesma seriedade que qualquer outra enfermidade. Além disso, ela se enquadra na categoria de doenças do comportamento e, portanto, deve ser tratada pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Outro ponto essencial é que a dependência química frequentemente está associada a outros transtornos psiquiátricos. Pesquisas realizadas em diferentes partes do mundo demonstram que pessoas com transtornos mentais têm cerca de 50% de chances de desenvolver dependência química. Entre os adictos, aproximadamente um quarto apresenta também algum transtorno mental. Por exemplo, indivíduos com depressão têm 50% de chances de desenvolver algum tipo de vício químico. Como disse Shakespeare: "Há mais coisas entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia." De fato, existem diversas teorias que tentam explicar essa complexa relação entre saúde mental e o uso de substâncias.
Na prática clínica, é comum perceber que praticamente todos os pacientes avaliados por especialistas em dependência química apresentam também outro transtorno mental. Por isso, é fundamental que essas doenças sejam tratadas sem preconceito. A dependência química pode causar transtornos mentais, e estes, por sua vez, podem levar ao uso abusivo de substâncias. É uma via de mão dupla.
Existem diversos exemplos que ilustram bem essa relação. Muitos fumantes, por exemplo, começam a fumar aos 13 anos. O consumo precoce de cigarro pode alterar o cérebro de tal forma que aumenta o risco de desenvolver esquizofrenia futuramente. O inverso também ocorre: pessoas com transtornos como o TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade) têm maior probabilidade de se tornarem dependentes químicos, especialmente de substâncias como maconha ou cocaína. No entanto, quando o TDAH é diagnosticado e tratado precocemente, o risco de dependência é significativamente reduzido. O mesmo vale para a depressão.
Em relação ao álcool, existe uma forte conexão entre seu consumo e quadros depressivos, sobretudo entre as mulheres. Muitas mulheres, por volta dos 40 anos, começam a apresentar sinais de depressão. Aos 50, com a saída dos filhos de casa, enfrentam a chamada “síndrome do ninho vazio”, o que pode agravar ainda mais o estado emocional. Nesse cenário, o consumo de álcool pode surgir como uma tentativa de aliviar a dor emocional. Contudo, quanto mais bebem, mais deprimidas ficam criando um ciclo vicioso. Nos homens, esse ciclo muitas vezes começa de forma diferente. O hábito de beber pode se instalar socialmente, mas com o tempo leva à depressão, e assim o ciclo se repete.
Pessoas com transtorno bipolar também estão em risco. Durante as fases de euforia, a impulsividade aumenta e pode levar ao consumo de substâncias de forma descontrolada, da mesma forma que ocorre com comportamentos como compras, alimentação e sexo. Essa impulsividade facilita o início e a manutenção do uso de drogas.
Diante de tudo isso, fica claro que o tratamento da dependência química não pode ser isolado. É necessário que ele seja integrado e leve em conta a presença de possíveis transtornos mentais. Tratar apenas o vício sem cuidar da depressão, por exemplo, pode levar o paciente a recaídas constantes. O mesmo acontece ao contrário: não adianta tratar a depressão e ignorar o uso abusivo de substâncias. O tratamento deve ser conduzido por uma equipe multidisciplinar, com foco e integração entre as abordagens.
A dependência química, quando associada a transtornos psiquiátricos, tende a apresentar um diagnóstico mais complexo, um prognóstico mais delicado e um curso mais desafiador. Por isso, é indispensável que o tratamento conte com acompanhamento psiquiátrico especializado. É por essa razão que um adicto deve, sim, se tratar com um psiquiatra.
Referências:
Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Manual de Diagnóstico e Estatística de Transtornos Mentais (DSM-5). 5ª edição, Associação Brasileira de Psiquiatria, 2013.
Koob, G. F., & Volkow, N. D.. Neurobiologia da Dependência: Uma Análise Neurocircuitária. The Lancet Psychiatry, 2016.
Mann, K., & Scherbaum, N.. Dependência de Substâncias: Aspectos Neurobiológicos e Tratamento. Revista Brasileira de Psiquiatria, 2010.