Drogas Lícitas x Ilícitas: O que a Ciência Diz
08/07/2025

Por Raique Almeida
A discussão sobre drogas lícitas e ilícitas precisa ultrapassar os julgamentos morais e considerar as evidências científicas sobre seus efeitos no organismo, no comportamento e na sociedade. Tanto as substâncias legalizadas quanto as proibidas podem provocar dependência, agravar doenças e comprometer a qualidade de vida de milhões de pessoas em todo o mundo. Mas por que algumas são permitidas e outras não? O que diz a ciência sobre seus impactos reais?
Drogas lícitas são aquelas autorizadas por lei e de uso socialmente aceito, como o álcool, o tabaco, os medicamentos psicotrópicos e a cafeína. Já as drogas ilícitas são aquelas proibidas por lei, como a maconha (em muitos países, inclusive o Brasil), a cocaína, o crack, o ecstasy e a heroína.
Essa distinção, no entanto, é mais jurídica e cultural do que científica. De acordo com Carlini (2006), o critério de legalidade nem sempre está relacionado ao grau de risco da substância, mas sim à construção histórica, econômica e política de sua aceitação ou proibição.
O álcool é uma das substâncias mais consumidas no mundo e também uma das mais associadas à violência, acidentes e doenças crônicas. A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2018) estima que cerca de 3 milhões de mortes anuais no planeta estejam relacionadas ao consumo de álcool.
Já o tabaco é apontado como uma das principais causas evitáveis de morte, responsável por cerca de 8 milhões de mortes por ano, segundo dados da OMS (2021). A nicotina presente no cigarro é altamente viciante e tem um impacto direto em doenças respiratórias, cardiovasculares e câncer.
A despeito desses números alarmantes, essas substâncias permanecem legalizadas e amplamente comercializadas, inclusive com estratégias de marketing que reforçam seu consumo, principalmente entre os jovens (Pechansky & Pinsky, 2009).
As drogas consideradas ilícitas também apresentam riscos significativos. O crack, por exemplo, pode causar dependência intensa e rápida, afetando o sistema nervoso central e provocando sintomas graves como paranoia, alucinações e comportamento compulsivo (Andrade et al., 2011).
No entanto, há substâncias ilícitas que, segundo estudos, possuem potencial terapêutico, como a cannabis medicinal, utilizada no tratamento de epilepsias, dores crônicas e distúrbios neurológicos (Gonçalves et al., 2020). Ainda assim, o estigma social associado a essas drogas dificulta a pesquisa científica e o debate público informado.
A ciência compreende a dependência química como um transtorno multifatorial, que envolve aspectos biológicos, psicológicos e sociais. Segundo a Classificação Internacional de Doenças (CID-11), o transtorno por uso de substâncias inclui perda de controle sobre o uso, desejo intenso, tolerância e sintomas de abstinência.
Portanto, tanto drogas lícitas quanto ilícitas podem causar dependência e prejuízos severos, dependendo de fatores como quantidade, frequência, vulnerabilidade individual, ambiente social e acesso ao cuidado.
A abordagem sobre drogas precisa ser baseada em evidências científicas e políticas públicas humanizadas. A criminalização excessiva do adicto de drogas ilícitas não reduz o consumo e muitas vezes contribui para a exclusão social e a violação de direitos. Por outro lado, o consumo abusivo de drogas lícitas continua sendo negligenciado por sua normalização cultural.
Como defendem Bastos e Bertoni (2014), é fundamental investir em educação para o consumo consciente, ações de redução de danos e acesso universal ao tratamento, pautado no respeito à dignidade humana e à diversidade de trajetórias.
Referências:
ANDRADE, A. G. O uso de crack: características, complicações e tratamento. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 33, s1, p. S43-S54, 2011.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-5: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 5. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.
BASTOS, F. I.; BERTONI, N. Pesquisa Nacional sobre o uso de crack: quem são os usuários de crack e/ou similares do Brasil? Rio de Janeiro: ICICT/FIOCRUZ, 2014.
PECHANSKY, F.; PINSKY, I. “A cultura do consumo de álcool no Brasil: conflitos e paradoxos”. Revista Brasileira de Psiquiatria, v. 31, supl. 1, 2009.