A Melodia da Superação: Música, Emoção e Ressignificação na Dor do Dependente Químico
07/07/2025

Por Raique Almeida
A música sempre foi uma das formas mais profundas e universais de expressão humana, especialmente nos momentos de dor e sofrimento. Diante da experiência de uma lágrima, seja por luto, perda, angústia existencial ou dor emocional intensa, a música emerge como um canal de elaboração subjetiva, capaz de traduzir sentimentos que a linguagem verbal, por vezes, não consegue alcançar. Quando o indivíduo se encontra imerso na tristeza, a música atua como uma ponte entre o silêncio interior e o mundo exterior, permitindo que emoções reprimidas encontrem forma, ritmo e ressonância. Assim, ela se transforma em um instrumento ativo de expressão da dor, ao mesmo tempo em que pode cumprir um papel terapêutico na reorganização psíquica do sujeito.
Essa função expressiva e terapêutica da música se mostra ainda mais significativa no contexto da dependência química. O indivíduo em sofrimento psíquico, muitas vezes sem encontrar palavras para descrever a angústia causada pelo vício, pode se valer da música como forma de canalizar suas emoções. A lágrima do adicto não é apenas a do arrependimento ou da culpa, mas também a do isolamento, da incompreensão social e da dor existencial. Nesse cenário, a música torna-se uma possibilidade concreta de reconstrução simbólica e emocional. Por meio da escuta ou da produção musical, o adicto pode entrar em contato com suas emoções, acessar lembranças significativas e, sobretudo, sentir-se acolhido em sua dor.
A música, nesse contexto, pode contribuir para romper o ciclo de alienação emocional provocado pelo uso abusivo de substâncias psicoativas. De acordo com Fonterrada (2008), a música possui a capacidade de tocar dimensões profundas da psique humana, despertando memórias e sentimentos que podem ser trabalhados de forma terapêutica. Em muitos programas de reabilitação, a música é incorporada como recurso terapêutico, atuando como ferramenta de expressão e reorganização interna. Cantar, tocar um instrumento ou compor letras que expressem o sofrimento vivido pela dependência química pode ser um passo importante no processo de recuperação e reintegração emocional.
Além disso, a música pode ser uma aliada no resgate da identidade do sujeito em tratamento. Muitos adictos, ao longo da trajetória do vício, perdem vínculos consigo mesmos, com suas histórias e com suas emoções. A música, ao despertar afetos e sentidos, pode ajudá-los a recuperar esse contato perdido. A lágrima, nesse processo, não é apenas símbolo de dor, mas de reconexão com a própria humanidade. Ela se torna, ao ser cantada ou ouvida, parte de uma narrativa que pode ser ressignificada, recontada e transformada. Segundo Bruscia (2000), a musicoterapia promove essa reorganização emocional ao proporcionar um espaço seguro para que o sujeito elabore sua dor de maneira criativa e não destrutiva.
A musicalidade da dor também está presente nas manifestações culturais e sociais ligadas à dependência. Muitos gêneros musicais expressam diretamente a vivência das drogas, da solidão, do preconceito e da luta pela recuperação. Essas músicas, ao darem voz aos marginalizados, ajudam a humanizar suas histórias e a ampliar a empatia social. A arte sonora, portanto, transcende o entretenimento e assume um papel fundamental no enfrentamento da dor da dependência química.
Referências:
FONTERRADA, Marisa Trench de Oliveira. De tramas e fios: o ensino de arte e a construção da pessoa. 4. ed. São Paulo: Editora UNESP, 2008.
BRUSCIA, Kenneth E. Definindo musicoterapia. 3. ed. São Paulo: Enelivros, 2000.
BENENSON, Joyce F. “The functions of music in everyday life: Redefining the social in music psychology.” Psychology of Music, v. 31, n. 1, p. 5–22, 2003.
NUNES, Maria Lúcia; OLIVEIRA, Maria das Graças. A musicoterapia como estratégia terapêutica no tratamento de dependentes químicos. Revista de Terapias Cognitivas, v. 9, n. 1, 2014.