Dependentes químicos em tratamento: um estudo sobre a motivação para mudança
13/04/2025

Por Patrícia Fonseca Sousa; Laís Claudino Moreira Ribeiro; Juliana Rízia Félix de Melo; Silvana Carneiro Maciel; Marcelo Xavier Oliveira
A dependência química é atualmente reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como uma doença crônica e recorrente, sendo considerada um grave problema de saúde pública. O uso abusivo de substâncias psicoativas ultrapassa barreiras sociais, emocionais e políticas, afetando diversas esferas da vida dos indivíduos e exigindo atenção urgente dos sistemas de saúde. De acordo com dados do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), fatores como a busca por prazer, o alívio de dores físicas e emocionais, a ansiedade e a tensão são frequentemente citadas como motivadores para o uso de drogas. Quando esse uso ocorre de maneira contínua e sem controle, a dependência tende a se instalar, caracterizando-se por sintomas comportamentais, cognitivos e fisiológicos que afetam diretamente a vida do sujeito.
Dada sua complexidade, a dependência química é entendida como uma condição biopsicossocial, exigindo tratamentos que contemplem não apenas os aspectos biológicos, mas também os fatores psicológicos e sociais envolvidos. Entre os principais desafios do tratamento estão a baixa adesão dos pacientes e a falta de motivação para a mudança, o que contribui para a alta taxa de recaídas, mesmo após múltiplas internações. A motivação, portanto, é um fator central para o sucesso terapêutico, sendo definida como o estado de prontidão para a mudança de comportamento, influenciado tanto por condições internas quanto externas.
Uma das abordagens mais utilizadas para compreender e intervir sobre a motivação em dependentes químicos é o Modelo Transteórico de Mudança de Comportamento, proposto por Prochaska e colaboradores. Este modelo propõe que os indivíduos percorrem diferentes estágios no processo de mudança: pré-contemplação, contemplação, ação e manutenção. Para avaliar em qual estágio o sujeito se encontra, foi desenvolvida a escala URICA (University of Rhode Island Change Assessment Scale), composta por 32 itens organizados em quatro subescalas correspondentes aos estágios de mudança. A aplicação da escala permite não apenas identificar o estágio predominante, mas também acompanhar a evolução do tratamento.
Com base nesse modelo, o presente estudo teve como objetivo principal identificar os níveis de motivação para a mudança em dependentes de álcool e crack internados em duas instituições: um hospital psiquiátrico e uma fazenda de recuperação. A pesquisa, de natureza quantitativa, descritiva e não experimental, contou com a participação de 200 homens maiores de 18 anos, sendo 127 usuários de crack e 73 de álcool. Utilizou-se como critério de inclusão a ausência de comorbidades psiquiátricas e a classificação como dependente químico, segundo a CID-10. Os dados foram analisados por meio do software SPSS, utilizando-se testes estatísticos adequados à distribuição e natureza das variáveis.
Os resultados revelaram que a maioria dos participantes se encontrava no estágio de contemplação, o que indica um reconhecimento parcial do problema e uma postura ambivalente diante da necessidade de mudança. Esse estágio é marcado por uma oscilação entre o desejo de mudar e o receio dos custos e esforços envolvidos nessa transformação. Tal resultado está de acordo com estudos anteriores, que apontam a contemplação como estágio frequente entre indivíduos em tratamento. A ambivalência presente neste estágio pode explicar a reincidência no uso de substâncias e o número elevado de internações observadas entre os participantes.
Notou-se também que usuários de crack apresentaram maior motivação para a mudança em comparação aos usuários de álcool. Esse dado pode estar relacionado à gravidade dos prejuízos causados pelo crack, tanto em termos físicos quanto sociais, o que leva esses indivíduos a sentirem maior urgência para alterar seu comportamento. Em contrapartida, o uso de álcool, por ser socialmente aceito e de progressão mais lenta, tende a dificultar a percepção de dependência, favorecendo a negação e comprometendo a motivação.
Outro achado importante foi a diferença significativa nos níveis de motivação entre os internos do hospital psiquiátrico e da fazenda de recuperação. Os pacientes das fazendas demonstraram estar mais motivados para a mudança. Essa diferença pode ser atribuída às distintas abordagens terapêuticas oferecidas por essas instituições. Enquanto os hospitais seguem majoritariamente o modelo biomédico, com foco em medicação e pouca participação ativa do paciente, as fazendas de recuperação adotam uma abordagem mais comunitária e holística, baseada em disciplina, espiritualidade, trabalho e convivência, o que favorece o engajamento dos internos no processo de mudança.
O estudo evidencia, portanto, a importância de se compreender em que estágio motivacional o dependente químico se encontra para que se possa intervir de forma mais eficaz. Estratégias terapêuticas devem ser adaptadas ao momento motivacional do sujeito, buscando superar a ambivalência e incentivando o progresso para os estágios de ação e manutenção. Apesar dos resultados significativos, a pesquisa apresenta limitações, como a amostra por conveniência, a ausência de controle de variáveis e a não randomização, o que impede a generalização dos dados. Além disso, trata-se de um recorte temporal específico, e os estágios motivacionais podem variar ao longo do tempo.
Diante disso, sugere-se a realização de novos estudos com delineamentos diferenciados e amostras mais representativas, visando aprofundar o entendimento sobre a motivação para a mudança e contribuir para o aprimoramento dos métodos terapêuticos voltados ao tratamento da dependência química.