Inverno e o Uso do Crack: Riscos Agravados e a Importância do Tratamento Especializado
01/07/2025

Por Raique Almeida
O inverno representa um período crítico para usuários de substâncias psicoativas, especialmente o crack. As baixas temperaturas, aliadas às precárias condições de vida enfrentadas por muitos adictos, ampliam significativamente os riscos à saúde física e mental. Entre as complicações mais frequentes destacam-se a hipotermia, infecções respiratórias e maior incidência de overdose. A vulnerabilidade é acentuada pela situação de rua, alimentação inadequada e ausência de cuidados médicos básicos, o que torna a busca por tratamento um fator crucial para a preservação da vida.
A hipotermia, caracterizada pela queda da temperatura corporal abaixo de 35°C, é uma das consequências mais graves durante o inverno, afetando especialmente os adictos de crack. A substância provoca vasoconstrição intensa, comprometendo a circulação periférica e acelerando a perda de calor corporal. Soma-se a isso o fato de que muitos adictos permanecem expostos ao relento, sem agasalhos ou abrigo, enquanto a ação do crack sobre o sistema nervoso central reduz a percepção do frio, dificultando reações protetoras adequadas. Em situações extremas, a hipotermia pode levar a arritmias cardíacas e falência de múltiplos órgãos.
Outro fator preocupante é a desidratação. O crack diminui a percepção da sede, tornando seus usuários mais suscetíveis à perda de líquidos, o que se agrava em climas frios e secos. A desnutrição, aliada à ausência de eletrólitos essenciais, pode ocasionar confusão mental, convulsões e até colapso circulatório. O cenário se torna ainda mais alarmante diante da fragilidade do sistema imunológico desses indivíduos, tornando-os alvos fáceis de infecções respiratórias graves, como pneumonia e tuberculose esta última comumente transmitida pelo compartilhamento de cachimbos e o convívio em ambientes insalubres.
O risco de overdose também aumenta consideravelmente durante o inverno. O organismo debilitado pela exposição ao frio tem menor capacidade de metabolizar substâncias tóxicas, e muitos adictos intensificam o consumo de crack como forma de amenizar o desconforto térmico e emocional. Isso eleva a probabilidade de convulsões, parada cardíaca e morte súbita, agravada pela demora no socorro, já que muitos adictos vivem em áreas isoladas e negligenciadas pelos serviços públicos.
Frente a esse panorama, torna-se essencial a intervenção precoce por parte das famílias e profissionais de saúde. A internação, seja voluntária ou involuntária, pode representar a única alternativa viável para interromper o ciclo da dependência e evitar consequências irreversíveis. A internação involuntária, regulamentada por critérios legais e médicos, é indicada em casos nos quais o adicto representa risco iminente à própria vida ou à de terceiros, sendo um recurso ético e legal quando todas as demais estratégias se mostram ineficazes.
Nas clínicas de recuperação, o tratamento se inicia com a desintoxicação, etapa que exige acompanhamento médico constante para monitoramento de sinais vitais e controle dos sintomas de abstinência. Em períodos de frio, os pacientes geralmente apresentam quadro clínico agravado, exigindo atenção intensiva. Além do cuidado físico, o suporte psicológico é indispensável, já que os danos mentais provocados pelo uso de crack incluem psicose, depressão severa e comprometimento cognitivo. A presença de uma equipe multidisciplinar, composta por psicólogos, psiquiatras e terapeutas ocupacionais, é determinante para a construção de estratégias que visem à recuperação integral do indivíduo.
O envolvimento da família no processo terapêutico é igualmente relevante. A participação ativa de parentes contribui para a aderência ao tratamento, fortalecimento emocional do paciente e prevenção de recaídas. Muitas instituições oferecem apoio e orientação familiar, ensinando formas de lidar com comportamentos desafiadores e de reconhecer sinais de alerta. Após a alta, o acompanhamento contínuo e a reinserção social por meio de programas de capacitação profissional e suporte psicológico são fundamentais para o sucesso a longo prazo.
É preciso reforçar que o estigma social, a negligência das políticas públicas e a ausência de redes de proteção tornam os adictos especialmente vulneráveis durante o inverno. Dessa forma, a conscientização da sociedade e o fortalecimento de ações intersetoriais são fundamentais para reduzir os impactos da dependência química e promover o acesso ao tratamento digno e eficaz.
Referências:
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