Vozes Silenciadas, Caminhos para a Recuperação: Adicção e Mulheres Negras
01/07/2025

Por Raique Almeida
A adicção é uma doença complexa que afeta indivíduos de todas as origens, mas a jornada para a recuperação pode ser ainda mais desafiadora quando atravessada por questões de raça, gênero e desigualdade social. Para as mulheres negras, a luta contra a dependência química é frequentemente invisibilizada e permeada por barreiras únicas que precisam ser compreendidas e abordadas com sensibilidade e especificidade.
Historicamente, mulheres negras no Brasil e no mundo têm sido submetidas a múltiplas formas de opressão e discriminação. O racismo estrutural, o machismo e a sobrecarga de responsabilidades (muitas vezes como chefes de família e cuidadoras) criam um cenário de estresse crônico e trauma. Esses fatores são reconhecidos como contribuintes significativos para o desenvolvimento e a manutenção da dependência química.
Além disso, o acesso a serviços de saúde de qualidade, incluindo tratamento para adicção e saúde mental, pode ser dificultado por barreiras socioeconômicas, geográficas e, infelizmente, pelo preconceito dentro dos próprios sistemas de saúde. A falta de representatividade e de profissionais que compreendam suas vivências pode levar à desconfiança e à relutância em buscar ajuda.
O estigma associado à adicção já é pesado, mas para a mulher negra, ele se agrava. Há uma pressão social para que sejam sempre fortes e resilientes, o que pode impedi-las de admitir a vulnerabilidade e buscar tratamento, temendo o julgamento e a desaprovação de suas comunidades e famílias.
Reconhecer essas particularidades é o primeiro passo para oferecer um tratamento eficaz. Em nossa clínica, compreendemos que a recuperação não é um caminho único e que abordagens personalizadas são essenciais. Para as mulheres negras, isso significa:
Ambiente Acolhedor e Seguro: Um espaço onde se sintam vistas, ouvidas e respeitadas, livres de julgamentos e preconceitos.
Terapia Sensível à Cultura: Profissionais capacitados para entender e abordar o impacto do racismo, do machismo e do trauma histórico em suas vidas.
Fortalecimento da Identidade: Incentivo à valorização da sua identidade, cultura e ancestralidade como fontes de força e resiliência.
Rede de Apoio: Facilitação da conexão com outras mulheres e grupos de apoio que compartilham experiências semelhantes, promovendo um senso de comunidade e pertencimento.
Abordagem Integral: Tratamento que contemple não apenas a dependência química, mas também a saúde mental, física e social, considerando todas as dimensões de suas vidas.
Acreditamos que toda mulher merece a oportunidade de se libertar da adicção e construir uma vida plena e saudável. Ao oferecer um cuidado que reconhece e valoriza a complexidade da experiência das mulheres negras, estamos não apenas tratando uma doença, mas contribuindo para a cura de feridas históricas e para a construção de um futuro mais justo e equitativo.
Se você é uma mulher negra buscando recuperação, ou conhece alguém que precisa de ajuda, saiba que há esperança e apoio. Sua voz importa, sua história é valiosa e sua recuperação é possível. Estamos aqui para caminhar ao seu lado.
Referências:
ALMEIDA, S. Racismo Estrutural. São Paulo: Pólen, 2019. 183 p.
Bell hooks. E eu não sou uma mulher? Mulheres Negras e Feminismo. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2020.
CARDOSO, L.M. SOUZA, M.M.C.F. GUIMARES, R.U.C. Morte materna: uma expressão da “questão social”. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 102, p. 244-268, 2010.
DAMASCENO, M. G. ZANELLO, V.M.L. Saúde Mental e Racismo Contra Negros: Produção Bibliográfica Brasileira dos Últimos Quinze Anos. Psicologia: Ciência e Profissão. v.38 n.3, p. 450-464, 2018.