Normalização das Bets: O Papel da Mídia e Influenciadores na Exploração da Vulnerabilidade Socia

04/09/2025

Normalização das Bets: O Papel da Mídia e Influenciadores na Exploração da Vulnerabilidade Socia

Por Raique Almeida

            A expansão das casas de apostas esportivas, popularmente chamadas de bets, tem se consolidado como um fenômeno social impulsionado pela visibilidade midiática e pela atuação de influenciadores digitais. No Brasil, a regulamentação parcial do setor e a ausência de políticas públicas mais rigorosas contribuíram para que o discurso da aposta como forma de entretenimento fosse amplamente difundido, sobretudo por meios de comunicação de massa e plataformas digitais. A mídia, ao associar a prática a eventos esportivos e celebridades, contribui para a normalização de um hábito que pode evoluir para o vício em jogos de azar, afetando diretamente a vida de milhares de pessoas (FREITAS, 2022).

            A lógica de propagação dessas práticas é sustentada por estratégias de marketing emocional que associam o ato de apostar a conquistas financeiras rápidas e ao estilo de vida luxuoso dos influenciadores digitais. Esse processo cria um ciclo de engajamento no qual a vulnerabilidade econômica e psicológica dos indivíduos é explorada como forma de rentabilidade. Segundo Santos e Pereira (2023), a promessa de ganhos fáceis reforçada por influenciadores alimenta expectativas irreais e intensifica frustrações, tornando o sofrimento dos jogadores parte integrante do lucro gerado pelo sistema de apostas.

            Além disso, a própria normalização promovida pela mídia hegemônica mascara os riscos envolvidos no jogo. Em muitos programas esportivos, por exemplo, as casas de apostas são anunciadas de maneira naturalizada, ao lado de patrocinadores tradicionais, sem que sejam mencionados os potenciais impactos da ludopatia, termo utilizado para designar o vício em jogos (SOUZA, 2021). Tal prática, segundo estudos da psicologia social, cria um ambiente de dessensibilização que reduz a percepção de risco e aumenta a predisposição ao comportamento aditivo (BROWN; ANDERSON, 2020).

            O papel dos influenciadores digitais, nesse contexto, é especialmente preocupante, pois eles utilizam sua credibilidade e proximidade com os seguidores para impulsionar plataformas de apostas. Muitas vezes, seus discursos são elaborados de modo a transmitir experiências pessoais de “sucesso”, ainda que não correspondam à realidade. A monetização da confiança interpessoal acaba por converter o sofrimento de indivíduos em produto mercadológico. Como observa Han (2017), na lógica neoliberal, até a dor humana pode ser transformada em capital, e o caso das apostas é um exemplo notório dessa dinâmica.

            Esse cenário revela um paradoxo social enquanto se expande o discurso midiático de incentivo às bets, cresce também o número de pessoas endividadas, adoecidas e marginalizadas em função da dependência dos jogos. A ausência de regulamentações mais rígidas e de políticas públicas de conscientização amplia a vulnerabilidade social e coloca em evidência a urgência de um debate ético sobre os limites da publicidade e do uso da imagem de influenciadores em práticas de risco. Assim, pode-se afirmar que a normalização das apostas pelas grandes mídias e o lucro dos influenciadores com o sofrimento alheio representam não apenas um problema econômico, mas sobretudo uma questão de saúde pública e de responsabilidade social.

Referências

BROWN, David; ANDERSON, Kelly. Gambling and media influence: a social psychology perspective. London: Routledge, 2020.

FREITAS, José Carlos. Aposta e sociedade: os impactos da indústria de jogos online no Brasil. São Paulo: Cortez, 2022.

HAN, Byung-Chul. Psicopolítica: o neoliberalismo e as novas técnicas de poder. Belo Horizonte: Âyiné, 2017.

SANTOS, Mariana; PEREIRA, Luís Fernando. Influenciadores digitais e jogos de azar: o marketing da vulnerabilidade. Revista Brasileira de Estudos Midiáticos, v. 12, n. 2, p. 45-63, 2023.

SOUZA, Rafael. Ludopatia e mídia: a construção social do jogo como entretenimento. Cadernos de Comunicação, v. 25, n. 1, p. 87-102, 2021.

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