O Décimo Segundo Passo em Narcóticos Anônimos
03/09/2025

Por Raique Almeida
O décimo segundo passo de Narcóticos Anônimos (NA) constitui uma síntese de todo o processo de recuperação, representando não apenas a conquista da sobriedade, mas a responsabilidade de transmiti-la a outros e de viver segundo os princípios espirituais aprendidos ao longo do caminho. O passo afirma “Tendo experimentado um despertar espiritual, como resultado destes passos, procuramos transmitir esta mensagem aos adictos e praticar estes princípios em todas as nossas atividades” (NARCÓTICOS ANÔNIMOS, 2008, p. 61). Essa formulação demonstra que a recuperação não é um processo individualista, mas sim comunitário, ético e relacional, na medida em que implica compartilhar a experiência adquirida.
De acordo com Woititz (2018), a dimensão espiritual da recuperação não se restringe a um credo religioso, mas diz respeito a uma mudança de consciência, em que o indivíduo passa a perceber sua vida com propósito e a desenvolver valores como humildade, empatia e solidariedade. Nesse sentido, o décimo segundo passo representa um compromisso de transformação contínua, no qual o adicto deixa de estar centrado em sua compulsão e passa a integrar-se socialmente por meio do serviço e da partilha.
Além disso, a literatura de NA enfatiza que a transmissão da mensagem a outros adictos funciona como um instrumento de manutenção da própria recuperação. Ao oferecer ajuda, o membro fortalece sua sobriedade e encontra sentido naquilo que antes era sofrimento (NARCÓTICOS ANÔNIMOS, 2008). Tal perspectiva também é corroborada por Rogers (2009), quando afirma que o processo de mudança pessoal atinge sua plenitude na relação de cuidado com o próximo, pois é no encontro humano que se consolidam as potencialidades de crescimento e resiliência.
O passo do despertar espiritual se mostra, portanto, uma etapa de maturidade, que demanda disciplina e coerência de vida. Boff (2003) aponta que a espiritualidade não deve ser entendida como fuga da realidade, mas como presença engajada, responsável e comprometida com a vida em todas as suas dimensões. Nesse sentido, viver os princípios aprendidos em NA implica assumir uma postura ética diante da família, do trabalho e da sociedade, promovendo relações mais saudáveis e conscientes.
Por fim, o décimo segundo passo reflete a essência do programa sair do isolamento produzido pela dependência química e adentrar em um processo de reconstrução comunitária. Ao compartilhar sua história, o adicto rompe o ciclo do silêncio e da vergonha, possibilitando a outros a esperança de recuperação. Dessa forma, o passo amplia a noção de liberdade, não apenas como ausência de drogas, mas como uma nova maneira de estar no mundo, orientada pela espiritualidade e pela prática do amor ao próximo.
Conclui-se que o décimo segundo passo representa a culminância do percurso de Narcóticos Anônimos, unindo experiência pessoal, compromisso social e prática espiritual. Ele reafirma que a recuperação é um processo contínuo, que se fortalece na medida em que é transmitido, transformando vidas e oferecendo um horizonte de dignidade e sentido para os que buscam libertar-se da dependência química.
Referências
BOFF, Leonardo. Espiritualidade: um caminho de transformação. Rio de Janeiro: Sextante, 2003.
NARCÓTICOS ANÔNIMOS. Texto Básico. 6. ed. Rio de Janeiro: NAWS, 2008.
ROGERS, Carl. Tornar-se pessoa. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
WOITITZ, Janet. Filhos adultos de pais alcoólatras. 4. ed. São Paulo: Hazelden, 2018.