O Nono Passo em Narcóticos Anônimos: Reparando Danos e Fortalecendo a Recuperação

03/09/2025

O Nono Passo em Narcóticos Anônimos: Reparando Danos e Fortalecendo a Recuperação

Por Raique Almeida

            O processo de recuperação da dependência química em Narcóticos Anônimos (NA) é estruturado nos Doze Passos, que se apresentam como um caminho espiritual e prático de transformação pessoal. O 9º Passo, especificamente, consiste em “fazer reparações diretas a tais pessoas, sempre que possível, salvo quando fazê-lo pudesse prejudicá-las ou a outrem” (NARCÓTICOS ANÔNIMOS, 2008, p. 92). Esse princípio, embora simples em sua formulação, carrega profundas implicações emocionais, éticas e sociais, pois aborda diretamente a responsabilidade do indivíduo frente às consequências de sua adicção.

            Na vivência da dependência química, relações interpessoais são frequentemente marcadas por rupturas, conflitos e danos, tanto no âmbito familiar quanto social. O uso compulsivo de substâncias leva o sujeito a atitudes de negligência, desonestidade e violência simbólica ou concreta, gerando mágoas duradouras (ALMEIDA; SANTOS, 2020). Assim, o 9º Passo propõe não apenas um reconhecimento dos erros cometidos, mas também a ação reparadora, que permite resgatar a dignidade do adicto e restaurar vínculos afetivos. Segundo Rogers (1997), a autenticidade e a responsabilidade são elementos fundamentais para a construção de relações humanas genuínas, o que se alinha ao espírito desse passo.

            Ao contrário de uma simples desculpa, a reparação envolve atitudes concretas. Muitas vezes, trata-se de gestos de honestidade, restituição ou de reconquistar a confiança perdida. Entretanto, o processo não é isento de desafios algumas pessoas impactadas pelo comportamento do adicto não estão abertas ao diálogo, e em certos casos, a tentativa de reparação pode causar ainda mais dor. É por isso que a literatura da NA enfatiza a prudência e a orientação espiritual, ressaltando que a reparação deve ocorrer “sempre que possível” e de maneira cuidadosa (NARCÓTICOS ANÔNIMOS, 2008).

            Além do aspecto relacional, o 9º Passo tem uma dimensão subjetiva relevante, pois possibilita que o indivíduo se liberte da culpa e do peso emocional acumulado durante o período de uso. Para Jung (2011), o processo de individuação implica reconhecer as próprias sombras e reintegrá-las de forma construtiva. Nesse sentido, a reparação representa um momento de integração entre passado e presente, em que o adicto passa a assumir seu papel como sujeito ativo de sua própria história.

            Outro aspecto importante é a função social desse passo. Ao se dispor a reparar os danos causados, o adicto rompe com a lógica do isolamento e da exclusão, que muitas vezes marcam a experiência da dependência. Essa atitude tem efeito terapêutico não apenas para o indivíduo, mas também para a comunidade, contribuindo para a reconstrução de laços sociais mais saudáveis e solidários (BOFF, 2001). A espiritualidade, presente no programa de NA, dá sentido e força a esse processo, pois fornece ao participante uma base de valores capaz de sustentar sua jornada de mudança.

            Portanto, o 9º Passo em Narcóticos Anônimos se configura como um marco no processo de recuperação, ao promover reconciliação, responsabilidade e amadurecimento espiritual. Trata-se de um exercício de humildade e coragem que ultrapassa a dimensão individual, alcançando também a esfera coletiva, ao restaurar vínculos e gerar novas possibilidades de convivência. Assim, o caminho da reparação se torna parte essencial do crescimento pessoal e da consolidação da sobriedade.

Referências

ALMEIDA, R.; SANTOS, J. Família e dependência química: vínculos fragilizados e processos de reconstrução. São Paulo: Paulus, 2020.

BOFF, L. Espiritualidade: um caminho de transformação. Rio de Janeiro: Sextante, 2001.

JUNG, C. G. Memórias, sonhos, reflexões. 18. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.

NARCÓTICOS ANÔNIMOS. Narcóticos Anônimos. 5. ed. Rio de Janeiro: JUNAAB, 2008.

ROGERS, C. Tornar-se pessoa. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

Blog

Informações sobre prevenção, tratamento e recuperação da dependência química e alcoolismo

Este site usa cookies do Google para fornecer serviços e analisar tráfego.Saiba mais.