O Oitavo Passo em Narcóticos Anônimos: Reconstrução das Relações e Responsabilidade Pessoal

01/09/2025

O Oitavo Passo em Narcóticos Anônimos: Reconstrução das Relações e Responsabilidade Pessoal

Por Raique Almeida

            O processo de recuperação em Narcóticos Anônimos (NA) é marcado por um percurso espiritual e emocional que visa a transformação do indivíduo em múltiplos aspectos de sua vida. Dentro desse caminho, o Oitavo Passo “Fizemos uma lista de todas as pessoas que tínhamos prejudicado e nos dispusemos a reparar os danos a elas causados” representa uma etapa crucial de amadurecimento pessoal, pois coloca o adicto em contato direto com as consequências de sua adicção e a necessidade de restabelecer vínculos rompidos. Ao elaborar essa lista, o membro é convidado a revisitar sua trajetória de erros e reconhecer o impacto de suas atitudes sobre os outros, não apenas sobre si mesmo (NARCÓTICOS ANÔNIMOS, 2008).

            Esse passo não se limita à mera lembrança de situações dolorosas ele exige disposição real e honesta para reparar danos, o que, em muitos casos, demanda coragem e desprendimento. De acordo com Rogers (2009), o processo de mudança genuína só é possível quando há congruência entre o que se pensa, sente e faz, e o Oitavo Passo favorece exatamente essa coerência ao integrar consciência, sentimento de culpa e a ação concreta de responsabilização. A reconstrução das relações interpessoais, rompidas durante os anos de uso, passa a ser vista como parte essencial da sobriedade, uma vez que a adicção é um fenômeno que repercute diretamente no tecido social e familiar.

            É importante compreender que o Oitavo Passo não impõe pressa ou imediatismo. Como aponta Boff (2012), os processos de cura exigem respeito ao tempo de cada pessoa, considerando as feridas emocionais envolvidas. Assim, a elaboração da lista de pessoas prejudicadas deve ser feita de modo reflexivo, equilibrado e sincero, sem que se torne um instrumento de autodepreciação. Trata-se de um exercício de amor próprio e de empatia, no qual o indivíduo aprende a reconhecer seus erros sem se aprisionar a eles, dando espaço para a construção de uma nova identidade.

            No âmbito da psicologia da recuperação, o Oitavo Passo também pode ser entendido como um movimento de ressignificação. Ao preparar-se para reparar os danos causados, o adicto deixa de ser apenas um sujeito marcado pela culpa e passa a se perceber como alguém capaz de restaurar laços e reconstruir sua história. A neurociência contemporânea reforça a ideia de que práticas de autorreflexão e reparação contribuem para o fortalecimento das conexões neurais relacionadas à resiliência e à tomada de decisões conscientes (DAMÁSIO, 2011). Dessa forma, o passo não tem somente implicações espirituais, mas também psicológicas e biológicas, que auxiliam na reintegração do sujeito à sociedade.

            Em síntese, o Oitavo Passo em Narcóticos Anônimos é um convite à maturidade, ao reconhecimento de responsabilidades e à transformação das relações interpessoais. Ele representa o elo entre a consciência dos erros e a ação concreta de reparação, possibilitando ao adicto em recuperação não apenas curar a si mesmo, mas também contribuir para a cura daqueles que foram afetados por sua trajetória de dependência. Trata-se, portanto, de uma etapa de reconciliação e de abertura para um viver mais autêntico, fundamentado na honestidade e no compromisso com a mudança.

Referências

BOFF, Leonardo. Cuidar da Terra, proteger a vida: como evitar o fim do mundo. Rio de Janeiro: Record, 2012.

DAMÁSIO, António. E o cérebro criou o homem. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

NARCÓTICOS ANÔNIMOS. Texto Básico. 6. ed. Rio de Janeiro: Narcóticos Anônimos do Brasil, 2008.

ROGERS, Carl. Tornar-se pessoa. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

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