O Sal como uma Droga: Efeitos do Consumo Excessivo e Similaridades com Substâncias Psicoativas
23/07/2025

Por Raique Almeida
O sal de cozinha (cloreto de sódio) é um dos ingredientes mais presentes na alimentação moderna, essencial para diversas funções fisiológicas do corpo humano. Contudo, estudos recentes vêm apontando que seu consumo excessivo pode desencadear efeitos semelhantes aos provocados por substâncias consideradas drogas, tanto no aspecto neuroquímico quanto comportamental. Essa comparação, embora inicialmente pareça exagerada, ganha sentido quando observamos o impacto do sal sobre o sistema de recompensa cerebral, a tolerância que o organismo desenvolve e a dificuldade de interrupção do uso, mesmo diante de prejuízos à saúde.
Segundo Moss (2014), a indústria alimentícia utiliza o sal não apenas como conservante ou realçador de sabor, mas como uma substância que estimula regiões cerebrais ligadas ao prazer e à compulsão alimentar, de forma análoga à ação de drogas como a nicotina ou o açúcar. O consumo frequente em níveis elevados pode provocar uma espécie de “dependência comportamental”, caracterizada pela busca constante por alimentos ricos em sódio e pela sensação de desconforto ou insatisfação quando esses alimentos são retirados da dieta. Além disso, o cérebro passa a demandar quantidades cada vez maiores da substância para alcançar os mesmos níveis de satisfação, um fenômeno comparável ao da tolerância em adictos de substâncias psicoativas.
Do ponto de vista fisiológico, o excesso de sal está diretamente relacionado ao aumento da pressão arterial, risco de doenças cardiovasculares, retenção de líquidos e sobrecarga renal (BRASIL, 2014). Esses efeitos, embora distintos dos de drogas psicoativas, também se acumulam ao longo do tempo e comprometem o funcionamento sistêmico do organismo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o consumo máximo de 5 gramas de sal por dia, mas a média de ingestão no Brasil ultrapassa os 12 gramas diários, indicando um padrão de abuso crônico.
A semelhança entre o sal e outras drogas não reside apenas nos impactos à saúde física, mas também nas dificuldades enfrentadas para reduzir seu consumo. Assim como ocorre com o álcool, o tabaco ou o açúcar, o sal está culturalmente enraizado em práticas alimentares, hábitos sociais e padrões de consumo promovidos por grandes indústrias. A transição para uma alimentação com teor de sódio controlado exige não apenas mudanças individuais, mas políticas públicas, educação nutricional e reestruturação de padrões alimentares coletivos.
Dessa forma, é possível afirmar que o sal, embora não seja uma droga no sentido tradicional, compartilha com essas substâncias características de reforço neurocomportamental, desenvolvimento de tolerância e risco de danos cumulativos à saúde. Reconhecer esses paralelos é essencial para promover um debate mais crítico sobre os impactos do sal no cotidiano da população e para fomentar ações preventivas que contribuam para a redução do seu consumo abusivo.
Referências
BRASIL. Ministério da Saúde. Manual de orientação para redução do consumo de sal. Brasília: Ministério da Saúde, 2014.
MOSS, Michael. Sal, açúcar, gordura: como a indústria alimentícia nos fisgou. Tradução de Clóvis Marques. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.
ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Diretriz: Ingestão de sódio para adultos e crianças. Genebra: OMS, 2012.