O Sétimo Passo em Narcóticos Anônimos: Humildade e Transformação no Processo de Recuperação

01/09/2025

O Sétimo Passo em Narcóticos Anônimos: Humildade e Transformação no Processo de Recuperação

Por Raique Almeida

            O processo de recuperação em Narcóticos Anônimos (NA) é estruturado a partir de doze passos espirituais e reflexivos que visam promover mudanças profundas no comportamento e na forma de vida dos dependentes químicos. O Sétimo Passo, expresso pela frase “Humildemente rogamos a Ele que nos livrasse de nossas imperfeições”, apresenta-se como um momento de significativa entrega, em que o indivíduo reconhece suas limitações humanas e se abre para a possibilidade de transformação interior. Tal etapa marca um ponto de virada no processo de reabilitação, pois exige não apenas o reconhecimento das falhas, mas também a aceitação de que a mudança não pode ocorrer apenas pela força de vontade individual, mas pela integração de um poder maior, entendido de forma pessoal e espiritual (NA, 2008).

            Segundo Matos (2015), a humildade, enquanto princípio norteador desse passo, não deve ser confundida com submissão ou fraqueza, mas como uma postura de honestidade consigo mesmo e com a própria condição de vulnerabilidade diante da dependência química. O ato de “pedir” simboliza a abertura para o auxílio espiritual, psicológico e social, rompendo com o orgulho que muitas vezes impede o adicto de buscar ajuda. Nesse sentido, a humildade atua como chave para a reconstrução da autoestima e para a retomada de vínculos saudáveis com a sociedade e com a própria identidade.

            A literatura especializada aponta que o Sétimo Passo também está relacionado ao processo terapêutico de autocompreensão e aceitação, aspectos fundamentais para a reinserção social. De acordo com Rogers (1997), a mudança genuína ocorre quando o indivíduo se aceita plenamente, reconhecendo tanto suas potencialidades quanto suas limitações. No caso da recuperação da dependência química, esse movimento implica abandonar a ilusão de controle absoluto sobre a vida, admitindo a necessidade de apoio e de ferramentas espirituais e comunitárias para enfrentar o vício. Assim, o pedido de libertação das imperfeições não representa um gesto passivo, mas um ato ativo de entrega e confiança no processo de crescimento.

            Outro aspecto relevante do Sétimo Passo é a consciência de que a transformação é progressiva, não instantânea. Como ressalta Costa (2019), a recuperação é um caminho contínuo de autodescoberta e amadurecimento emocional, no qual cada passo representa um degrau de evolução. Ao admitir a própria fragilidade, o adicto inicia um processo de ressignificação de sua trajetória, substituindo a autossuficiência pelo reconhecimento da interdependência, que é fortalecida pela espiritualidade e pelo convívio em grupo. Esse processo contribui para reduzir sentimentos de isolamento, vergonha e culpa, frequentemente associados à dependência.

            Portanto, o Sétimo Passo em Narcóticos Anônimos não se limita a um exercício de fé, mas constitui uma prática de transformação existencial. Ele permite que o adicto aceite a ajuda de um poder maior, fortaleça a humildade como virtude e reconheça que a verdadeira liberdade não está em negar suas limitações, mas em assumir a condição humana de forma integral. Tal passo é fundamental para consolidar a caminhada da sobriedade, pois prepara o terreno para as próximas etapas do programa, que exigem ainda mais disposição para mudanças profundas e relacionamentos éticos consigo e com os outros.

            Conclui-se que o Sétimo Passo é um momento central no processo de recuperação, no qual a humildade é compreendida como ferramenta essencial de crescimento e libertação. Através dele, o adicto dá continuidade a uma jornada de autotransformação que integra espiritualidade, psicologia e apoio comunitário, reafirmando que a sobriedade é possível quando há coragem para se abrir ao auxílio externo e disposição para enfrentar as próprias imperfeições.

Referências

COSTA, A. F. Espiritualidade e recuperação: reflexões sobre os doze passos. São Paulo: Paulus, 2019.

MATOS, R. M. Humildade e transformação: um olhar sobre os grupos de ajuda mútua. Belo Horizonte: Autêntica, 2015.

NARCÓTICOS ANÔNIMOS. Texto Básico. 6. ed. Rio de Janeiro: Narcóticos Anônimos do Brasil, 2008.

ROGERS, C. Tornar-se pessoa. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

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